Há quarenta e cinco anos, o Brasil dava as boas vindas a uma empresa que viria ser a última integrante de um quarteto dominou o mercado de automóveis do país por muitos anos, até o crescimento das novas marcas que chegaram nos anos noventa.

No dia 9 de julho de 1976, a Fiat foi o sexto fabricante de automóveis a entrar em atividade num país ainda governado pelos militares, que proibiram, um ano antes, a importação de veículos. As montadoras da época eram a Volkswagen, a Ford, General Motors, Chrysler e Alfa Romeo. Quatro anos depois, a americana Chrysler seria adquirida pela Volks e a própria Fiat compraria integralmente a conterrânea, formando, enfim, as quatro grandes.

A partir de então iniciou-se uma história frequente de ousadias e pioneirismos. Com exceção da Alfa Romeo, que atuava em Xerém (RJ), todas as outras montadoras eram baseadas no estado de São Paulo. Os italianos escolheram Betim, em Minas Gerais, às margens da rodovia Fernão Dias, que liga os dois estados mais ricos do país, para montar a sua fábrica.


O modelo escolhido também foi para inovar. O 147 foi o primeiro carro verdadeiramente compacto desde o Romi-Isetta. E o primeiro com motor transversal dianteiro produzido no país. Sua base foi o 127, lançado na Itália em 1971 e o mais vendido na Europa naquela época.

Era um inédito hatchback de três portas. Configuração que o Chevette, um dos seus principais concorrentes, só viria a ter em 1980. Os outros adversários foram o Fusca e a Brasília, mais baratos que o 147, o que tornaria a sua estreia no mercado mais difícil. 


Fiat 127 italiano

A traseira do 147 era bem inclinada, dominada pela tampa de porta-malas, a terceira porta. As lanternas eram retangulares e maiores que o 127 europeu, que tinha lanternas mais finas. Na frente, o capô, de abertura inversa, era curto e a grade retangular preta e plana, com faróis retangulares sobre as luzes de seta. Ambos de contornos arredondados. Conjunto bem diferente do 127 italiano, o que deu personalidade ao nosso modelo. O novo Fiat parecia uma caixa de bombons com seus 3,63m de comprimento e 2,22m de distância entre-eixos.


Fiat 127 italiano

O motor era refrigerado a água, tinha 1.049 cm³ de cilindrada e rendia 55 cavalos. Foi este bloco que deu origem ao 994 cm³ do Uno Mille, lançado 14 anos depois. A posição transversal foi fundamental para garantir um espaço interno superior ao do Fusca, mesmo medindo 40 cm a menos. O porta-malas também ganhou boa capacidade de 352 litros, graças à também inédita colocação do estepe no compartimento do motor.




Por dentro, o acabamento era simples, sem luxos. Os bancos e os revestimentos das portas eram de plástico. O painel só oferecia o básico: volante sem regulagem, quadro de instrumentos (hodômetro, velocímetro, marcador de combustível e luzes-espia) retangulares e ventilação. Bancos com encosto alto (os de série eram baixos) e rádio eram opcionais.


A tração era dianteira e o câmbio de quatro marchas sincronizado. Com engates duros, foi o seu maior defeito, que durou até o Palio, seu segundo sucessor.

O Fiat 147 era ágil no trânsito e bem econômico. Segundo a revista Quatro Rodas, acelerava de 0 a 100 km/h em 19,47 segundos e alcançava 134,579 km/h de velocidade. A média de consumo foi de 12,68 km/litro. Os freios a disco nas rodas da frente também eram eficientes: num tempo em que o cinto de segurança dianteiro era subabdominal e não havia ABS e EBD, precisava de 41,15 metros para parar a partir de 100 km/h. Todas essas qualidades só puderam ser descobertas pelo público em novembro, quatro meses depois da inauguração da fábrica, que teve a presença do então presidente da República Ernesto Geisel. E um mês após ser mostrado no Salão do Automóvel de São Paulo.


Começou a ser vendido na versão L, com para-choques cromados, mas para a linha 1977 ganhou a básica (de para-choques pretos e rodas de furos redondos), a GL e a Furgoneta, que não tinha vidros atrás e nas laterais traseiras. O 147 inovou mais uma vez ao oferecer de série para-brisa laminado, que não estilhaça. Vinha no GL, que também tinha borrachões nos para-choques, frisos cromados na grade, apoio de cabeça nos bancos dianteiros. Foi eleito o Carro do Ano pela revista Autoesporte, o primeiro da Fiat na tradicional promoção.



No ano seguinte outro pioneirismo: a primeira picape diretamente derivada de um carro de passeio. Era simplesmente chamada de 147 Pick-up. A tampa da caçamba abria para o lado, quase como na atual Toro. Aliás, segundo memes da internet, a picape 147 é anunciada como o bezerro da Toro.

Em 1979, foi lançado o Rallye, versão esportiva que trazia faixas laterais, spoiler, faróis auxiliares, tomada de ar para a pequena grade sobre o capô e rodas de desenho arrojado. Por dentro, tinha cinto de segurança de três pontos dianteiros, bancos reclináveis, de encosto alto e painel completo com conta-giros, voltímetro e manômetro de óleo.


Para fazer jus ao novo perfil, o Rallye introduziu o motor 1.300 de 72 cavalos, que já equipava o luxuoso GLS lançado meses antes, com apenas 61 cv. Era o mesmo 1.050 com diâmetro e curso maiores. Uma leve alteração estética colocava o emblema FIAT no canto da grade das versões mais básicas. Na Rallye e na GLS, o emblema retangular indicava o nome da versão e no centro vinha o emblema redondo vermelho, estilo original do que foi utilizado pela Fiat de 2008 até 2020. 



Ainda em 1979, o 147 se tornava o primeiro carro do Brasil a ser abastecido com álcool. Era o combustível alternativo do futuro contra a crise do petróleo que assustou o planeta naquela década. Inaugurava o programa Proálcool do governo. O propulsor escolhido foi o 1.300 e rendia até 62 cavalos. Andava mais e poluía menos, porém consumia mais. Foi o ano em que mais vendeu: 101.195 unidades.


Em 1980 foi reestilizado pela primeira vez, exceto na versão básica. O capô ficou um pouco mais baixo e inclinado, a grade inteiriça e os faróis mais pontudos. As luzes de direção viraram bicolores e passaram a envolver os faróis. Os para-choques passaram a ser de plástico e também envolventes, sendo mais prolongados no Rallye.




Por dentro, a GLS e a Rallye tinham novo painel com conta-giros e relógio, revestimento em veludo, cintos de segurança retráteis de três pontos nos bancos dianteiros, novos apoios de cabeça para estes e, pela primeira vez, num carro compacto nacional, encosto de cabeça também no banco de trás. Com este novo visual, o 147 foi exportado para alguns países europeus e, por isso, a frente ficou conhecida como Europa.


No mesmo ano foi lançada a perua Panorama, trinta centímetros mais longa, com apenas duas portas e 669 litros de porta-malas. Tinha tanque maior que o do hatch (52 contra 43 litros), que logo também aumentou a capacidade. O motivo era a lei nacional de racionamento de combustível, que obrigava o fechamento dos postos nos finais de semana. O motor era o mesmo 1.300. As versões de acabamento eram a C e a CL. O painel interno desta última tinha desenho exclusivo, criado pela Bertone, embora fosse feio e nada funcional. Também em 1980, foi lançado o Fiorino furgão, com baú fechado, mas ainda com a frente antiga.






Em 1982 a perua forneceu seu chassi para a picape, que ficou mais longa, ganhou também o motor 1.3 e passou a se chamar Fiorino PickUp, mas ainda com a frente antiga. Houve também uma versão curta da picape com a frente nova e o nome City.



A Fiorino também ganhou uma versão com teto alto e baú visível com vidros para carga (Vetrato) e outra para passageiros ocasionais (Combinato, com bancos traseiros laterais) e viajantes (Settegiorni, com bancos traseiros rebatíveis), antecipando o conceito multiuso que hoje é usado no Doblò. Infelizmente, não pegaram no Brasil e foi destinado apenas para exportação. Logo depois, ganhou a frente Europa por aqui.


No mesmo ano, as versões GLS e Rallye do hatch mudavam de nome para Top e Racing, respectivamente. A luxuosa ganhou o mesmo painel desenhado pelo estúdio Bertone da Panorama e motor com ignição eletrônica. O câmbio ganhou novos sincronizadores na primeira e segunda marchas. O 147 básico também passou a se chamar 147 C e ganhou a frente Europa, adotada também na picape City. O L mudou de nome para CL. A Panorama ganhou o motor 1.050 na versão básica C. 




Em 1983, surgiu o luxuoso Spazio, com uma nova frente. Grade e faróis cresceram e o emblema passou a ser cinco barras verticais inclinadas no meio, que ficariam famosas no Uno, lançado no ano seguinte. As luzes de direção passaram a ter apenas a cor laranja e se tornaram mais envolventes. O logotipo horizontal FIAT permaneceu no canto inferior direito de quem vê. Curiosamente, é um padrão visual inverso ao de hoje: com o nome da fabricante em destaque no centro da grade e as cinco barras nas cores da bandeira da Itália no mesmo canto. As lanternas foram renovadas e o vidro traseiro também aumentou de tamanho. O câmbio passou a ser de cinco marchas. O novo Spazio era vendido nas versões CL, CLS, com os motores 1.050 e 1.300 e a esportiva TR, apenas 1.300. 









A nova frente foi estendida à Panorama. A grande novidade foi o sedã três volumes Oggi, de apenas duas portas, lançado na versão CS para concorrer com o VW Voyage, o Chevrolet Chevette e o recém-lançado Ford Escort. Tinha o maior porta-malas do país (440 litros) entre os sedãs. Chegou a ter uma opção esportiva, chamada CSS, com motor 1.4 de 78 cavalos.









O 147 mais simples e a linha Fiorino permaneceram com a frente Europa, mas substituída aos poucos. A frente original se manteve na versão mais barata do furgão por algum tempo, havendo convivência breve entre os três estilos frontais. 

O lançamento do Uno, seu sucessor mais moderno, ajudou a encerrar a carreira do 147. O primeiro a sucumbir foi o Oggi, em 1985, com a chegada do Prêmio, o sedã do novo modelo. No mesmo ano foi o próprio Spazio. No ano seguinte, a Elba substituiu a Panorama. O 147 com a frente Spazio resistiu até 1986, deixando uma coleção de inovações e 536.591 unidades vendidas. Ainda assim, a picape e o furgão Fiorino duraram até 1988, quando passaram a usar a carroceria do Uno.


A história do 147 terminou, mas a Fiat continuou inovando com o Uno e seus derivados; o Tempra, primeiro sedã grande; o Uno Mille, primeiro carro 1.0 do Brasil; o Uno Turbo, primeiro carro turbinado de série, o Tipo, primeiro hatch médio da Fiat no país, primeiro importado por uma montadora brasileira e, ao ser nacionalizado, primeiro carro fabricado no Brasil equipado com airbag; o Brava, sucessor do Tipo; o Marea e a perua Weekend, sucessores do Tempra; o furgão grande Ducato; o utilitário Doblò; o Stilo, sucessor do Brava; a minivan compacta Idea; o Punto; o Linea, sucessor do Marea, e o Bravo, sucessor do Stilo. 

O problema é que desde o Palio, que não conseguiu aposentar o Uno imediatamente, e seus derivados como a perua Palio Weekend, o sedã Siena e a picape Strada, a Fiat do Brasil tem priorizado a criação de carros regionais (para não dizer gambiarras), projetados com baixo custo para países subdesenvolvidos como o nosso e vendidos somente aqui ou exportados para alguns países, embora tenha chegado à Europa, como a Palio Weekend e a Strada. Também surgiram versões e derivados destes como a Palio Weekend Adventure, primeiro carro de passeio com maquiagem de off-road; a Strada de cabine estendida e depois dupla, pioneira nestas configurações entre as picapes compactas, a segunda geração do Uno, um modelo quadrado arredondado inspirado no segundo Fiat Panda europeu que ressuscitou o tradicional nome e serviu de base para a terceira geração do furgão Fiorino, da segunda geração do Palio e do Siena (chamado de Grand Siena para diferenciar) e do subcompacto Mobi. Outras invencionices brasileiras foram a Toro, primeira picape média-compacta do mercado, o Fiat Argo e Cronos, hatch e sedã sucessores do Palio e Grand Siena, e a segunda geração da Fiat Strada, a primeira picape compacta com cabine dupla de quatro portas (depois de já ter sido a primeira com cabine dupla de três portas). Ainda virão outras gambiarras, como o novo SUV supercompacto Pulse, que chega ao mercado no final do ano e o futuro SUV cupê derivado da Strada. 

Esqueci de alguém? Ah, sim. A Fiat também importou, para fazer imagem, a perua Tempra SW e o Coupé nos anos 90, o SUV Freemont (um Dodge Journey com o emblema italiano) e o pequenino 500, na virada dos anos 2000 para a década de 10. Este último está para voltar ao mercado como um carro elétrico. A van Ducato, antes fabricada em Sete Lagoas, Minas Gerais, agora vem do México. 

Modelos modernos como o Viaggio, a nova linha Tipo (composta por sedã, hatch e perua), Fiat 500 L e 500X foram dados como certos pela imprensa privilegiada, mas nunca vieram. 

Em resumo, a Fiat foi pioneira em muitas coisas, mas, a exemplo de todas as outras fabricantes, perdeu o respeito pelo nosso país ao priorizar o baixo custo para gerar mais lucros para a matriz com modelos de estilo e qualidade duvidosos. 


TEXTO: GUSTAVO DO CARMO | FOTOS: DIVULGAÇÃO