Foto: Dirceu Portugal (Fotoarena/Folhapress)


Atenção: este texto contém opiniões políticas!  


A principal notícia do período de férias do Guscar foi o anúncio, em janeiro, do fechamento das três fábricas da Ford no Brasil: Taubaté (SP), que fazia motores, Horizonte (CE), do jipe Troller e Camaçari (BA), que produzia o Ka e o Ecosport. A decisão não me surpreendeu em nada, assim como não me surpreenderei se outras saírem. 


A Ford se junta à Mercedes e à Audi como empresas automotivas que fecharam fábricas em nosso país. Fora do setor automotivo, a Sony, a Nikon e o banco HSBC também se retiraram, as duas últimas antes do governo Bolsonaro, como reflexo da crise econômica e a corrupção provocadas pelo PT. A Audi ainda teve a cara-de-pau de cobrar o governo Bolsonaro por uma dívida assumida pelo governo Dilma. 


Eu não falo em saída da Ford porque, por enquanto, ela vai continuar atuando no país importando veículos. Além da picape Ranger (fabricada na Argentina), do Mustang (Estados Unidos), dos SUVs Edge (Canadá) e "Telitoly" (China), a marca vai trazer o furgão Transit do Uruguai e o utilitário Bronco do México. 


Ford Transit


Reparem que os veículos que a Ford traz ou ainda vai trazer são fabricados em países governados pela esquerda (Argentina, México, Canadá, Estados Unidos e, principalmente. China. A exceção é o Uruguai). E no início deste mês foi anunciado um grande investimento na África do Sul, outro país de governo socialista. Ok, o Mustang vinha desde a época do governo Trump, mas agora que os democratas voltaram ao poder, ela deve trazer também de lá o elétrico Mustang Mach-E e, talvez, o Escape híbrido (o comum é fabricado na Argentina). 


Este é um dos motivos que fizeram a Ford fechar as suas fábricas após 101 anos de história de montagem e fabricação no Brasil: ideologia política. Uma forma indireta de culpar o governo brasileiro (foi a primeira coisa que os "lulaminions", "cirominions" ou "psolminions" fizeram), que é de direita. O outro motivo foi a falta de (mais) incentivos (que quando ganham não repassam ao consumidor) que o Presidente da República não deu e sequer tem que dar, pois o país tem outras prioridades. Uma delas é combater o vírus chinês, também usado como justificativa para o fechamento das fábricas. Ou seja, a esquerda cria o vírus e defende o isolamento social e fechamento do comércio e indústrias para depois culpar o vírus (e também o presidente) pela queda das vendas. É muita hipocrisia (e canalhice também)!



Mustang Mach-E: crossover-cupê elétrico que a Ford poderia trazer agora como importadora

A queda das vendas não foi culpa do Bolsonaro e nem totalmente do vírus chinês. Foi da própria Ford. Seus carros já não estavam sendo bem aceitos pelo mercado há muito tempo. Ka hatch e sedã e Ecosport eram apertados, tinham um péssimo acabamento, repleto de plásticos duros (adotado desde o lançamento do Versailles, que ainda tinha carpete dos bancos fáceis de rasgar ou desfiar), motor de tecnologia ultrapassada e um câmbio automático de seis marchas até eficiente, mas que já chegou tarde para reparar o estrago na imagem causado pelo automatizado Powershift. A lista de equipamentos até que era boa. Só que a Ford continuou errando ao não trazer as novas gerações do Fiesta e do Focus. Queria investir em utilitários esportivos, mas trouxe um "xing-ling" da China, vende um caríssimo crossover (o Edge), enrola para trazer o Escape e até desistiu da terceira geração do Ecosport. Em relação à Troller, usou uma brecha na lei para não dotar o jipe T4 de airbags e ABS (jipes são isentos da obrigação destes itens de segurança). 



A saída da Ford (como fabricante) também mostra a arrogância e hipocrisia da própria e das outras montadoras multinacionais instaladas aqui no país. Desde o início da industrialização elas sempre trataram o Brasil como um mercado pouco exigente (manda qualquer porcaria pra cá ou inventa aqui que "nóis" vende) e fonte de lucro. 


Só investem em modelos baratos, muitas vezes aproveitando o ferramental de modelos saídos ou prestes a saírem de linha em seus países de origem, como a última Kombi, o primeiro Chevrolet Omega (por pouco a GM não trouxe a primeira geração do Corsa em vez do segundo, que tivemos por aqui) e o Renault Symbol. Fizeram adaptações de qualidade duvidosa no projeto do Corcel, Chevrolet Opala, Fiat Punto, Renault Captur e segundas gerações do Volkswagen Santana e Fiat Strada. A Peugeot deixou de produzir o 207 europeu original para fazer uma gambiarra no 206, que passou a se chamar 207. Trazem projetos de países exóticos como Romênia, Tailândia, Índia e China. E inventam modelos como Volkswagen Gol (que deu muito certo, mas quase não deu), Chevrolet Onix (outro campeão de vendas), Agile, Cobalt e Spin, Fiat Palio, Hyundai HB20. 


O objetivo, claro, é gastar menos na produção e cobrar mais do consumidor para ter lucro. No caso dos franceses, nem sempre a prática deu certo. A Honda era exceção, mas também vai entrar no "jeitinho multinacional" ao abandonar o Fit e o Civic e priorizar o City. 



Seria uma prática aceitável para um país subdesenvolvido como o nosso se elas não tivessem impedido montadoras genuinamente nacionais de vingarem no mercado. A Romi não teve incentivos para produzir o Isetta porque este não tinha duas portas e quatro lugares, condição exigida pelo GEIA por pressão das multinacionais. Também fizeram lobby contra a Gurgel, a Puma e a Indústrias Presidente para o governo priorizar as multinacionais e não as fabricantes brasileiras. O caso mais recente é da própria Ford, que comprou a cearense Troller para depois tirá-la do mercado. 


Mas na hora de sair do país se fazem de vítimas do governo federal (governadores dos estados onde as fábricas da Ford estavam instaladas, a maioria do PT e o outro de centro-esquerda, nada fizeram) e da economia.  


Essa ganância por lucros impede a vinda, mesmo que importados, de modelos mais modernos, em sintonia com o que é vendido na Europa, nos Estados Unidos e no Japão. Além do excesso de tributação, o dólar também é recorrentemente usado como desculpa. Quando o dólar cai (o que é raro), assim como os impostos, mesmo quando são produzidos aqui, o desconto não é repassado e novos modelos também não chegam. Aí foi o consumidor que rejeitou o modelo em clínicas.  


Foto: Sérgio Figueiredo

Se um dia eu fosse presidente da República, baixaria um decreto obrigando fabricantes a oferecer os mesmos modelos que oferecem na Europa, Estados Unidos ou Japão ou daria incentivos (morais) para elas fecharem as fábricas e atuarem basicamente na importação. Chile, Colômbia, Paraguai e Bolívia não têm fábricas de veículos e importam modelos de primeira linha.  Nenhum deles é mais rico que o Brasil. 


Com o dinheiro que economizariam com operários e encargos trabalhistas, daria para importar modelos de melhor qualidade por um preço menor e teriam mais lucro. Se o modelo tiver um grande volume de vendas, aí sim, elas poderiam produzir (na verdade, seria obrigatório, para não afetar a balança comercial), primeiro em CKD e depois com fabricação do zero. Chega de manter fábricas só para produzir carroças compactas! 


Severo como eu seria, se desse para distribuir incentivos, obrigaria o repasse aos consumidores e, se a produção passasse a ser local, seriam obrigadas a repassar a isenção do imposto de importação. E proibiria a produção de carros com mais de seis anos de lançamento se o seu sucessor não estiver no mercado e de mais de dez anos em qualquer situação. Também seriam proibidas de impedir ou fazer lobbies (seria crime) contra o crescimento de fabricantes brasileiros. Estes sim poderiam ter modelos locais. Em caso de descumprimento da lei: multas e prisão de executivos. 


Como ainda vivemos em um país supostamente democrático, com aparente liberdade de expressão e o Bolsonaro não é o autoritário e genocida que muitos acham que ele é, o jeito é mudar o foco dos modelos analisados pelo Guscar. 


A partir deste ano, começo a avaliar e comparar modelos europeus, com preços e equipamentos praticados em Portugal. Temporariamente, as seções Em Breve no Brasil e Baba, Brasil! estão suspensas. A seção de Lançamentos Internacionais mudou de nome para Lançamentos Mundiais desde a matéria sobre o Hyundai Tucson. Quando chegarem os Ford Bronco, Escape e F-150, Chevrolet Silverado, Fiat 500 e a Peugeot colocar o configurador do 208 no seu site, aí eu volto a falar dos modelos vendidos no Brasil. 


TEXTO: GUSTAVO DO CARMO

FOTOS:
DIRCEU PORTUGAL (FOTOARENA/FOLHAPRESS)
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Ford F-150