Um dos vários anúncios impressos do Maverick dizia: "Em suas mãos, o privilégio de possuir um carro que amanhã continuará diferente". Os publicitários que atendiam à Ford eram visionários. Quarenta anos e cinco depois, nenhum automóvel nacional conseguiu ser igual ao Maverick, que marcou a década de 1970.

A sua história começou com uma teimosia, que não foi a responsável direta pela curta vida de seis anos do modelo. Em 1970, a Ford, que tinha assumido o controle da Willys dois anos antes, queria produzir um sedã médio de passeio para substituir o velho Aero Willys e que se posicionasse entre o compacto Corcel e o grande e luxuoso Galaxie.

Após pesquisar o mercado externo, a Ford ficou em dúvida entre dois recentes modelos do seu portfólio. Um era a quarta geração do europeu Taunus (com n e não r, como o sedã importado aqui nos anos 90). O outro, o norte-americano Maverick, de 1969.


Ford Taunus europeu nas versões cupê e sedã

O Taunus tinha construção moderna e sofisticada, mas uma frente comportada. Já o Maverick era exatamente o oposto: capô longo, faróis redondos e lanternas retangulares, mas com estrutura mais barata (afinal, era carro de entrada nos Estados Unidos), derivada do Falcon. Ambos tinham versões de duas e quatro portas. 

Então, a montadora organizou uma clínica (como são chamadas as pesquisas de opinião dos clientes sobre modelos pré-lançados e, obviamente, disfarçados). Estavam, todos sem identificação, o Taunus, o Maverick e o futuro concorrente principal, o Chevrolet Opala. A maioria dos potenciais proprietários escolheu o Taunus, mas... Prevaleceu a prática de cortar custos das nossas montadoras, que perdura até hoje.


Assim, a Ford decidiu, em 1971, pela produção do americano Maverick. Duas justificativas oficiais para o descarte do Taunus foram a necessidade de fabricar o seu motor em Taubaté (SP), fábrica que só ficaria pronta em 1975, e a suspensão traseira independente, que inviabilizou definitivamente a sua fabricação por aqui, mas ele foi lançado na Argentina, com o nome de Falcon.

Enfim, o Maverick foi apresentado no Salão do Automóvel de São Paulo de 1972. Mas só chegou ao mercado em julho de 1973, idêntico ao americano, com a exceção do emblema. Lá, era um chifre. Aqui foi trocado pelo nome do carro porque o gerente de marketing da Ford, John Garner, era o mesmo que debochou do teto solar do Fusca apelidando-o de "corno-wagen". Ele ia pagar pela língua?


O primeiro Maverick brasileiro tinha apenas duas portas. Ruim para quem quisesse mais luxo e conforto para transportar a família. O espaço interno atrás era apertadíssimo. O concorrente Opala agradeceu e vendeu mais. 

Eram três versões: Super, Super Luxo e GT, o mais apropriado para a carroceria. As duas primeiras tinham o velho motor de seis cilindros 3.0 da Willys, de 112 cavalos, e câmbio de quatro marchas na coluna de direção. Já o GT se tornou o ícone do Maverick no Brasil por ser, até agora, o único carro de passeio nacional com motor V8 (oito cilindros em V) 4.95 litros ou 302 polegadas cúbicas, como indicava o adesivo no para-lama dianteiro. Importado do Canadá, a sua potência era de 197 cavalos. Tanto o de seis quanto o V8 eram montados em posição longitudinal. 

Maverick Super

Visualmente, as versões inicialmente se diferenciavam assim: o Super tinha carroceria em cor única com somente um par de faróis, o Super Luxo tinha teto preto e o GT, faróis auxiliares retangulares na grade e faixa preta no ressalto do capô, que também tinha um par de travas externas.

 Por dentro, os dois mais baratos tinham bancos dianteiros inteiriços (por isso, a alavanca do câmbio no volante) e o esportivo vinha com bancos individuais e alavanca no assoalho, como é padrão hoje. O painel tinha formato horizontal, como em todos os carros da época, mas com um baixo relevo. O GT tinha console com instrumentos auxiliares e um conta-giros bem acima do volante, entre o velocímetro e o marcador de combustível. O volante dos mais básicos tinha miolo redondo e horizontal no GT.



A revista Quatro Rodas avaliou as duas versões extremas do Maverick e elogiou a suspensão, a estabilidade, o estilo, os freios (a tambor no Super e a disco na dianteira no GT), o desempenho do GT (aceleração de 0 a 100 km/h em 11,6 segundos e 178 km/h), motor, porta-malas (de 417 litros de capacidade), nível de ruído, posição de dirigir no GT e o acabamento com cromados e bancos bem revestidos

As críticas da publicação da editora Abril foram para o câmbio de engates duros e o consumo (7,7 km/l no Super e 7,2 km/l no GT), que foi determinante para a sua carreira breve, pois na mesma época estourava a primeira crise internacional do petróleo.

Maverick GT Quadrijet
Antes de tomar medidas contra o alto consumo, a Ford ainda equipou o V8 do GT com um carburador quádruplo chamado Quadrijet e o ofereceu no mercado como opcional para homologar a participação do Maverick na Divisão 1 do antigo Campeonato Brasileiro de Marcas e Pilotos. A potência subiu para 255 cavalos e o Ford humilhou o concorrente Opala nas pistas de corrida. Mas a Confederação Brasileira de Automobilismo proibiu a alteração e a marca retirou o kit do mercado.


Para linha 74 finalmente chegava o Maverick de quatro portas. Era praticamente um outro carro além das portas extras. Os três volumes eram mais definidos, como o preterido Taunus, mas a coluna traseira era levemente inclinada. Os vidros eram recuados. O Maverick quatro portas lembrava um típico sedã americano usado como táxi ou viatura de polícia. Mais comprido (de 4,58m para 4,73m) e com maior distância entre-eixos (2,61m para 2,79m), além dos seis lugares proporcionados pelos bancos inteiriços na frente e atrás, o espaço interno traseiro finalmente era condizente com a sua proposta. O porta-malas, por outro lado, diminuiu de capacidade: caiu de 417 para 397 litros.

O Maverick 4 portas só tinha as versões Super e Super Luxo, mas esta última tinha o motor de oito cilindros como opção além do de seis. Outro opcional era o câmbio automático de três marchas. Já não bastavam o alto consumo e o apertado espaço interno, o Maverick quatro portas ainda enfrentava a preferência do brasileiro pelos carros de duas portas.


A alternativa da Ford para baixar o consumo do Maverick e enfrentar a crise internacional do petróleo que já era grave em 1975 foi o motor de quatro cilindros, 2.3 litros de 99 cavalos de potência. Fabricado em Taubaté, a mesma planta que deveria produzir o propulsor do descartado Taunus, ele não tirou o 6 cilindros de linha e só não equipou o GT. O desempenho melhorou em relação ao seis cilindros (aceleração de 0 a 100 km/h em 15,3 segundos). O consumo também (9,1 km/l de média da Quatro Rodas). Mesmo assim, ainda era considerado alto.

Outras novidades do Maverick foram a suspensão revista, novas pinças de freio, novo acabamento, bancos individuais e câmbio manual de quatro marchas no assoalho para todas as versões. Na linha 1977 houve novas e últimas modificações na grade (adotando filetes verticais e as versões S e SL ganharam faróis auxiliares opcionais), lanternas (separadas, como no Mustang) e mais uma mudança na suspensão, direção e freios. Foi acrescentada mais uma versão: a luxuosa LDO (Luxuosa Decoração Opcional), com motor 2.3, que tinha acabamento imitando madeira e revestimentos mais refinados. O GT ganhou um novo capô, sem as travas externas, mas com duas entradas falsas de ar, e opção do motor de quatro cilindros (era preciso economizar combustível).   


Com o lançamento do Corcel II em 1978, o Maverick, que já vinha levando surra do Opala no mercado, ganhou uma concorrência interna que prejudicou ainda mais as suas vendas. Veio nova crise do petróleo em 1979 e, neste mesmo ano, com a sua fama de beberrão e o Corcel custando menos e sendo mais espaçoso e eficiente, o Maverick enfim deixou de ser produzido, após 108.106 unidades. 

Como acontece com as pessoas valorizadas só depois de mortas, o Maverick também sofre com esse hábito. Quando fabricado, era criticado e ninguém comprava. Hoje, 45 anos depois do seu lançamento, é disputado por colecionadores pela sua raridade.




TEXTO: GUSTAVO DO CARMO | FOTOS: DIVULGAÇÃO E INTERNET