A Citroën tem na sua história uma galeria de carros inesquecíveis. Nela estão presentes o Traction Avant, o 2CV, o DS, o SM, o CX... e o AMI 6, que está completando 60 anos em 2021.

Mais conhecido na Europa e na Argentina, onde foi montado em Catila, o AMI 6 se destacou pelo estilo incomum da carroceria, para não dizer estranho. Lançado em 1961, era construído sobre o chassi do 2CV e posicionava-se entre o clássico popular de 1948 e o sedã de luxo DS, de 1955. 

Tinha 3,96m de comprimento, 2,40m de distância entre-eixos e pesava apenas 620 kg. Disputava mercado com os ingleses Ford Anglia, Vauxhall Viva e Morris 1100; o alemão Opel Kadett, o italiano Fiat 1100 D e os conterrâneos Peugeot 204, Renault 10 e Simca 1000.



Ford Anglia - um dos concorrentes do Citroën AMI 6

Para começar, a frente lembrava uma coruja. O capô se afundava com uma quina ondulada acima dos faróis retangulares de moldura oval. O teto caía para dentro, totalmente oposto aos dos outros sedãs, exceto o Ford Anglia, um dos seus principais rivais, que tinha um estilo de traseira semelhante. Isso deixava o perfil lateral do AMI 6 com um formato de Z. Os para-lamas traseiros cobriam um pouco as respectivas rodas. O terceiro volume era reto e mais estreito, com pequenos pares duplos de lanternas circulares. O desenho foi assinado por Flaminio Bertoni, também autor do Traction Avant, do 2CV e do DS. Enquanto o Anglia tinha apenas duas portas, o AMI 6 tinha quatro. 


O nome AMI misturava vários significados, começando pelo nome do projeto (AM), além de "milieu de gamme", de médio alcance, em português, "miss" ou senhorita e amigo em italiano (amici), uma homenagem ao estilista que desenhou o carro (Bertoni). Já o número 6 se referia ao primeiro dígito da cilindrada do motor, que era de 602 cm³. Mesmo sendo um carro médio, tinha um interior simples.


O painel abrigava o retrovisor interno (que em carros comuns costuma ficar no alto do para-brisa), velocímetro, marcador do nível de combustível, hodômetro total, um cinzeiro, a alavanca do câmbio de quatro marchas sincronizadas, botões e hastes no volante de apenas um braço, como no luxuoso DS. Quatro ou cinco passageiros viajavam com conforto e as bagagens dispunham de ótimo espaço.

O motor era refrigerado a ar, de dois cilindros opostos, com um único carburador Solex montado em posição invertida e potência de apenas 22 cavalos. A tração era dianteira, também já característica da marca desde 1934. A suspensão tinha braços oscilantes, rodas independentes e molas helicoidais em posição horizontal.

Apesar de feio e com motor fraco, o AMI 6 agradou. Tinha desempenho honesto para aqueles tempos românticos: alcançava os 110 km/h. O consumo de 16 km/l era o que mais agradava e o tanque podia ser abastecido com até 25 litros. Entre outras qualidades estavam a estabilidade e o conforto de rodagem.


Se o 2CV visava o trabalhador rural e o DS o executivo, o AMI 6 era o veículo ideal para o público urbano e familiar, alvo reforçado nos dois comerciais acima. Mas conquistou também as mulheres, ou melhor, as senhoras (as "misses", um dos significados do nome), que sempre aparecem nas fotos de divulgação. 

A primeira-dama Yvonne De Gaulle, esposa do General Charles De Gaulle, ganhou o primeiro exemplar pré-série feito para testar a linha de produção da nova fábrica em Rennes-La-Janais, que se tornaria uma das maiores da Citroën. Além dele, a unidade também montou o AMI 8, o GS/GSA, Visa, BX, XM, Xantia, Xsara, C5, o C6 e hoje fabrica o híbrido C5 Aircross.


O motor aumentou de potência no decorrer dos anos: passou para 26 cv, depois 28 cv e, finalmente, 35 cavalos em 1968, quando ganhou carburador de corpo duplo. Em 1964, foi lançada a perua Break, com uma carroceria mais harmoniosa. Havia também uma versão comercial (Enterprise), uma Break com três portas, com opção de carroceria sem vidros laterais ou com eles, e o Club, com quatro faróis redondos, vendida também nos Estados Unidos, onde também tinha para-choque reforçado e foi lançado em 1963.



Mesmo feio, o AMI 6 acabou se tornando um sucesso. Claro que a Break, que respondia por 55% das vendas, colaborou bastante para isso. Foi o veículo mais vendido da França em 1966 e emplacou 1.039.384 exemplares, somadas todas as versões, até o fim de sua carreira, em 1969. Além da fábrica de Rennes e Catila, o AMI 6 também foi produzido em Forest na Bélgica.



Ainda em 1969, o AMI 6 foi substituído pelo AMI 8, com um face-lift, as mesmas portas do 6 e a traseira de caída convencional, lembrando muito o concorrente Renault 16. A perua, lançada em 1970, ganhou uma versão de três portas e outra furgão. Em 1972, surgiu o AMI Super, com motor de quatro cilindros, 1.0, 53 cavalos, que alcançava os 145 km/h. A linha AMI original foi extinta em 1978, com a saída de linha da perua. O sedã já havia se despedido dois anos antes.

Eu disse original porque, na onda retrô das últimas décadas, o nome AMI (sem o número) foi retomado num caixotinho elétrico de dois lugares com duas portas que se abrem para lados opostos. Além de ser vendido na faixa de 7 mil euros, o novo AMI pode ser alugado ou compartilhado por aplicativo, como as bicicletas e patinetes que a gente conhece por aqui, e não precisa de habilitação. Na França.  

TEXTO: GUSTAVO DO CARMO | FOTOS: DIVULGAÇÃO



O novo AMI, agora um carrinho elétrico, lançado em 2020