TEXTO: GUSTAVO DO CARMO | FOTOS: DIVULGAÇÃO


O Volkswagen Polo chegou antes, em 2002, mas foi o Citroën C3, lançado no Brasil em junho do ano seguinte, quem mais ganhou fama como Compacto Premium.

Assim como o Honda Fit, o C3 foi a primeira investida da Citroën no segmento de compactos e também o segundo modelo da marca francesa produzido em nosso país. A Honda já fabricava o Civic em São Paulo desde 1997 e a Citroën a minivan média Xsara Picasso, em Porto Real, aqui no estado do Rio.

Novamente a exemplo do colega decano japonês, o C3 também decepcionou por ser um compacto mais caro e não com preço popular, como se esperava. A Citroën tinha os seus motivos: a sócia Peugeot já vendia com sucesso desde 1999 e montava desde 2001, também no Rio, o igualmente hatch compacto 206. Para evitar concorrência dentro de casa, a marca do duplo acento circunflexo posicionou seu novo carro (lançado na França em 2001 para suceder o Saxo) em um novo segmento: o de hatches compactos mais sofisticados, que a imprensa começou a chamar de Premium.



As linhas arredondadas contínuas da traseira até o para-brisa côncavo, que criavam um teto alto, não foram criadas à toa. A inspiração veio do clássico modelo 2CV (1948-1990), mas as formas já haviam sido antecipadas no conceito já chamado de C3 (daí surgiu o atual padrão de nomenclatura, embora o primeiro a usá-lo comercialmente tenha sido o luxuoso C5) no Salão de Paris de 1998. O projeto também deu origem ao conversível (com colunas removíveis) C3 Pluriel, vendido na Europa entre 2003 e 2010.

C3 Concept 1998

Nas duas fotos acima, o conversível C3 Pluriel, vendido na Europa entre 2003 e 2010

O C3 hatch definitivo - que sempre teve quatro portas, mesmo na Europa - tinha faróis grandes, meio arredondados, meio trapezoidais, que cercavam a grade, que era protegida por quatro filetes na cor do carro, sendo o superior mais grosso. As janelas laterais acompanhavam a curvatura do teto e do para-brisa. Já a traseira tinha lanternas verticais finas e pontudas, que chegavam a invadir um pouco o amplo vidro traseiro. A parte de lataria da tampa era praticamente limpa, com o discreto baixo relevo e a régua para a placa. Uma curiosidade era que os retrovisores não tinham capa na cor da carroceria para não quebrar a harmonia dos traços redondos. 

O interior seguia o estilo externo. Bicolor (cinza escuro na parte superior e claro na inferior), o painel era arredondado na altura do console central, com difusores ar e vão da maçaneta das portas idem. A maçaneta em si era apenas uma tirinha arqueada de alumínio perfurada. As portas tinham pouco revestimento de tecido. A maior parte era de plástico. O toque futurista do C3 estava no velocímetro digital e conta-giros em arco. O lado ruim da ergonomia era o controle elétrico dos vidros espremido entre os bancos dianteiros, um problema também presente no primo Peugeot 206.



A tentativa de conforto para os passageiros de trás foi dada nas mesinhas de avião retráteis nas costas dos bancos dianteiros da versão mais cara. O recurso já era usado na Chevrolet Meriva. Mas no C3 o espaço atrás era tão apertado que foi preciso uma mesinha tão fininha que só dava para comer amendoim. O copo tinha que ser grande para ficar preso no buraco reservado a ele. Em caso de uma freada brusca ainda era um perigo. Para compensar, o porta-malas tinha 305 litros, o maior entre os hatches compactos até a chegada do Renault Sandero quatro anos depois.

O C3, que acabou conquistando as mulheres, tinha duas versões: GLX e Exclusive. A primeira só era premium no preço, pois custava R$ 32.350, mais cara que os rivais Corsa, Polo e 206. A GLX até tinha freios ABS com EBD e assistência de frenagem em urgência, trava elétrica e direção assistida elétrica. Porém, devia ar condicionado e vidros e retrovisores elétricos, que eram opcionais, mas de série na top Exclusive, que custava R$ 35.590 e ainda oferecia apoios de braço individuais entre os bancos dianteiros. Rádio/CD Player, airbags frontais e o sensor de estacionamento traseiro (novidade na época) precisavam ser pagos à parte nas duas versões, que possuíam o mesmo motor 1.6 de 16 válvulas, ainda a gasolina, de 110 cavalos.


Acelerava, segundo a revista Quatro Rodas, em 11,6 segundos, retomava entre 80 e 120 km/h em 20,1 segundos e alcançava velocidade máxima de 177,9 km/h. O consumo era de exatos oito quilômetros por litro na cidade e 13,5 km/l na estrada. Parava a 80 km/h em 28,5 metros e gerava 61,2 decibéis de ruído com mesma velocidade.

Dois meses depois do lançamento, a versão GLX ganhou a opção do motor 1.4 de oito válvulas, ainda importado da França, que rendia 75 cavalos. Custava bem mais barato (R$ 28.690) porque perdeu as rodas de liga-leve (trocadas por calotas de desenho parecido), os freios ABS e a ventilação do disco dos dianteiros e os traseiros passaram a ser a tambor.


Em 2004 a maior novidade foi a série especial Ocimar Versolato, que tinha de série interior todo preto, bancos em couro, som, ABS, sensor de estacionamento e uma bolsa criada pelo famoso estilista internacional da sociedade paulista exclusivamente para a Citroën. O motor era o 1.6. Detalhe: a "homenagem" acabou em barraco chique entre Ocimar e a esposa do então presidente da Citroën no Brasil, Sérgio Habib. O motivo foram divergências financeiras na sociedade entre os três nas butiques que abriram juntos. Sérgio rompeu a parceria e a amizade.



No ano seguinte, o motor 1.4 a gasolina foi nacionalizado, ganhando ar condicionado, trio elétrico e alerta sonoro de velocidade de série. Mas logo se tornou um mico de mercado porque, no final daquele 2005, ele passou a ser flex, ou seja, abastecido com gasolina e álcool ao mesmo tempo. A potência subiu de 75 para 80/83 cavalos. O 1.6 16v também virou flex, com potência de 110 e 113 cv.


Ainda em 2006 a maior novidade para o C3 foi a versão aventureira XTR, que se limitava aos para-choques, grade e saias laterais escuros, faróis auxiliares e bagageiro no teto. As rodas de liga-leve tinham desenho estrelado. A lista de equipamentos era a mesma da série Ocimar Versolato: ar-condicionado, trio elétrico, direção elétrica, air bag para motorista e passageiro, freios ABS, EBD (Programa de Estabilidade Eletrônica) e sistema de auxílio de frenagem de emergência (AFU), bancos de couro com o logotipo XTR, painel digital, CD player com comando no volante, computador de bordo e alerta sonoro de velocidade, além do interior todo preto. Também naquele ano foi lançado o kit especial Musique para todas as versões, que incluía, além do CD Player Pioneer com MP3, um iPod Nano e alto-falantes mais potentes.



O Citroën C3 já estava com nova frente na Europa desde 2005. A grade perdeu uma aleta e as três que restaram ficaram com a mesma espessura e alinhadas ao emblema, embora ainda estejam na cor da carroceria. O painel interno teve algumas pequenas mudanças notáveis no quadro de instrumentos, no display central no alto e uma nova moldura cromada no console.


Acima o painel do C3 europeu 2006. Mais acima, o face-lift frontal de lá.   

Aqui no Brasil, a mudança frontal só chegou em 2008 e diferente, até mais chamativa que o europeu: as aletas eram pretas e a grade tinha um contorno cromado. Desde o ano anterior, o motor 1.4 já era oferecido também no Exclusive e no XTR, que aqui ganhou para-choques na cor do carro com detalhes em preto fosco e em imitação de aço, presente também nas saias laterais, fazendo papel de estribo e protetor do cárter. Já o interior ficou apenas definitivamente escuro em todas as versões, sem mudanças nas linhas do painel, que ganhou ar condicionado digital. Meses depois, o C3 brasileiro ganhou a opção do câmbio automático sequencial de quatro marchas para entrar na briga com os automatizados Easytronic (Chevrolet), Dualogic (Fiat) e i-Motion (Volkswagen) que viraram febre entre os compactos nos anos posteriores.




C3 XTR nas duas fotos acima

Pena que logo em 2009 o C3 europeu mudou radicalmente. Aqui demorou três anos para chegar. Mas a sua nova plataforma fez a pré-estreia no Aircross, que apareceu antes e na verdade era a versão (quase) realmente aventureira do utilitário estilo caixote C3 Picasso. Ambos chegaram ao mercado, respectivamente, em 2010 e 2011, com grade frontal aberta e o interior simplificado para cá. Lá, o velocímetro é digital e no centro do painel. Aqui, o Picasso veio com mostradores analógicos.





C3 Picasso. Mais acima Citroën Aircross
Enquanto o novo C3 não vinha, o modelo brasileiro foi ganhando novas séries especiais como a França-Brasil (para comemorar o ano da França no Brasil em 2009), a Plus, que adicionou sensores crepuscular e de chuva, e a Solaris, com teto solar pequeno (o europeu tinha um panorâmico), que voltou outras duas vezes. A primeira geração se despediu com faróis escurecidos.



Segunda geração

Finalmente, no ano passado, chegou ao país a segunda geração do Citroën C3. Os contornos ficaram mais modernos, tentando agradar mais ao público masculino, mas é possível notar que a silhueta em arco continua a mesma. Os faróis de formato triangular, com pequena extensão até a grade, são os mesmos do europeu. Mas a grade aberta, unida ao emblema, foi desenvolvida no Brasil. Pegou tão bem que virou face-lift na Europa. O para-choque dianteiro ganhou luzes diurnas em LED desde a versão intermediária. A traseira trocou as lanternas verticais pontudas pelo formato de bumerangue na tampa do porta-malas.


O vidro traseiro continua amplo. Já o para-brisa ficou ainda maior com o charme desta nova carroceria, que é o seu prolongamento chamado Zenith, que termina um pouco antes da metade do teto, proporcionando um comprimento de 1,35m e um ângulo de 80º. A visibilidade gigante, já uma característica da Citroën, também está presente desde o segundo nível de acabamento. Aliás, as versões mudaram de nome. A GLX se dividiu em duas, passando a se chamar Origine e Tendance. A top continua sendo a Exclusive. 


Por dentro, o motorista pode deixar o vidro frontal no tamanho normal com uma proteção corrediça (que inclui os para-sois). O painel perdeu o quadro de instrumentos digital e ganhou três mostradores analógicos, colados ao outro. O europeu também agora é assim. Mas lá, há mais sofisticação com faixa na cor do carro e difusores de ar centrais retangulares (é o mesmo painel do luxuoso DS3). Aqui, a exemplo do utilitário C3 Picasso/Aircross, ficou com uma aparência totalmente preta e rústica, com três saídas de ar redondas de aro cromado. embora o acabamento tenha melhorado bastante.


A distância entre-eixos de 2,46m foi mantida, mas o comprimento aumentou de 3,85 para 3,94m, a largura de 1,66m para 1,70m e a altura de 1,51m para 1,52m. O espaço atrás continua apertado. Pelo menos as dispensáveis mesas atrás dos bancos dianteiros foram retiradas e ficaram restritas ao C3 Picasso. A capacidade do porta-malas caiu para 300 litros, mas ainda é um dos maiores da categoria. Além do para-brisas panorâmico, o novo C3 ganhou equipamentos inéditos como computador de bordo, piloto automático, porta-luvas refrigerado, airbags laterais, navegador por GPS e borboleta de mudança do câmbio atrás do volante, alguns deles opcionais. Os preços agora variam entre R$ 39.990 (o Origine básico) e R$ 55.360 (o Exclusive automático).


Os motores continuam sendo dois e um deles 1.6. Mas ambos foram modificados. O 1.4 cresceu de tamanho e passou a ser 1.5 (1.449 cm³), que estreou no C3 Picasso e também é usado no Peugeot 208, lançado este ano. Flex, como manda o mercado, ainda tem oito válvulas, mas a potência subiu para 89 e 93 cavalos. O 1.6 ganhou sistema de partida a frio, que dispensa o tanquinho de gasolina para partida a frio. Chamado de VTI 120, também ficou mais potente, passando de 110/113 para 115 e 122 cavalos. 

Aos dez anos a concorrência está bem maior. Tem o primo Peugeot 208, o Chevrolet Sonic, Fiat Punto, Ford New Fiesta, o chinês JAC J3 e ainda o Volkswagen Polo, que continua do mesmo jeito que foi lançado em 2002, a não ser pela grade modernizada. No ano que vem chega o novo Renault Sandero. 

Talvez o termo Premium, com o qual o C3 ficou famoso, seja até desculpa das montadoras para o alto preço dos compactos não-populares. Mas de qualquer forma, o primeiro hatch compacto fabricado pela Citroën no Brasil já tem uma década de história pra contar. Uma história de estilo.  


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