TEXTO: GUSTAVO DO CARMO | FOTOS: DIVULGAÇÃO
DADOS DE TESTE: REVISTA QUATRO RODAS
FONTE DE CONSULTA: BLOG AUTO REALIDADE


Era para ser a história de um hatch compacto, nascido para ser o carro mais barato do país, que estava completando 15 anos de fabricação, com boa aceitação, chegando a ser o terceiro automóvel mais vendido do mercado. Mas acabou se tornando uma história de despedida, pois a produção do Chevrolet Celta foi encerrada em abril e anunciada apenas em agosto.

O Celta começou a ser projetado em 1996 com o nome de Arara Azul. Já se sabia que a plataforma seria a mesma do Corsa, então da primeira geração vendida no Brasil (segunda europeia), na época em produção, para economizar custos. Mas a "mula" estética foi o desengonçado Opel Agila (não confundir com o Chevrolet Agile, fabricado na Argentina e vendido também aqui entre 2009 e o ano passado), um pequeno monovolume projetado pela Suzuki como Wagon R+, que ganhou o emblema da marca alemã na sua segunda geração.
Opel Agila - especulado no Brasil

Seu estilo, porém, foi reprovado nas clínicas feitas pela General Motors. O "Arara Azul" (Blue Macaw foi só para dar uma tapeada de que o projeto era global) acabou ganhando um desenho exclusivo para o Brasil, assinado por Paulo Konno: apenas com duas portas, muito parecido na lateral com o Corsa, o modelo que lhe deu origem, mas com a frente de faróis horizontais inspirada no sedã grande Vectra de 1996 e a traseira de lanternas elípticas verticais semelhante ao Palio do mesmo ano.

A sua produção seria pela primeira vez na Chevrolet fora do estado de São Paulo. Quem ganhou a concorrência foi a cidade de Gravataí, no Rio Grande do Sul. No final de 1998, o governador recém-eleito do estado, o petista Olívio Dutra vetou os incentivos para a instalação, na mesma cidade, da fábrica da Ford, que foi para Camaçari, na Bahia. Só não vetou a da GM porque ela já estava em construção.

O nome escolhido, Celta, além de homenagear o povo de múltiplas tribos que colonizou a Europa, tinha sonoridade fácil para um carro popular e respeitava a tradição da Chevrolet brasileira, então inspirada na Opel, de terminar o nome dos seus modelos com a letra A (Monza, Opala, Omega, Astra, Vectra e, claro, Corsa, que também homenageava um povo)


Se o Celta ganhou em estilo, perdeu em acabamento e espaço interno. No primeiro caso, a GM queria apenas cumprir o seu objetivo de custo final. Por isso, caprichou... na economia de materiais, dando-lhe para-choques e moldura de grade pretos, painel interno de peça única em plástico duro cinza claro, nenhum tecido nas portas, banco com tecidos e espumas baratos e quadro de instrumentos mínimo, apenas com velocímetro e marcadores digitais de combustível e quilometragem percorrida (hodômetro) para dar um toque de modernidade.


Por usar a plataforma do Corsa, que tinha 2,44m de distância entre-eixos e um espaço interno um tanto apertado, o Celta herdou a medida, o seu problema e também a desconfortável posição de dirigir deslocada para a esquerda, mesmo com o motor montado na posição transversal. A carroceria de duas portas ainda prejudicava o acesso ao banco traseiro. O porta-malas acabou ficando com 260 litros.


O Celta chegou ao mercado na segunda quinzena de setembro do ano 2000 com apenas uma única versão com motor 1.0 MPFi do Corsa de 60 cavalos de potência. Acelerava de 0 a 100 km/h, segundo a revista Quatro Rodas, em 15,64 segundos e retomava entre 40 e 100 km/h em 26,59 segundos. Apesar do tempo alto era mais rápido que os concorrentes Uno Mille e Ford Ka, mas ficava atrás deles em velocidade máxima, de apenas 150,4 km/h. A frenagem de 32,9 metros a 80 km/h o deixava entre o Uno (o melhor) e o Ka. Mas o consumo (8,81 km/l na cidade e 14,66 km/l na estrada) e o nível de ruído (72,3 decibéis a 80 km/h) eram mais elevados que os dos dois concorrentes.

A maior frustração da GM com o Celta, contudo, foi não ter conseguido ser o carro mais barato do país. Mesmo com a "franciscanização", chegou ao mercado custando R$ 13.640, em vez dos esperados 11 mil reais. Saiu mais caro que o Uno Mille, embora mais barato que o Ka e o Gol. E isso sem ar condicionado, direção hidráulica e ajuste interno dos retrovisores externos. Os dois últimos ainda inexistentes e o ar só começaria a ser oferecido como opcional a partir de 2001.


O Celta era peladíssimo. Tinha de série apenas imobilizador de ignição, barras de proteção no interior das portas (numa época em que isso era raro), cintos de segurança de três pontos e apoio de cabeça para o banco traseiro, ambos apenas laterais (quando não eram obrigatórios). Protetor do cárter, aquecedor, vidros verdes com pára-brisa degradê, temporizador do limpador dianteiro e limpador, lavador e desembaçador do vidro traseiro eram opcionais. Vidros e travas elétricas só podiam ser comprados como acessórios nas concessionárias, da mesma forma que kits de aparência como rodas de alumínio de 14 polegadas (o de série era de 13), para-choques e grade na cor da carroceria, aerofólios e adesivos. Aliás, as revendedoras configuravam lá mesmo o carro. E quem quisesse poderia escolher o carro pela internet, em casa, pagando o preço acima. O Celta foi o primeiro carro do país vendido pela grande rede de computadores, que começava a se popularizar na época. Comprando "à moda antiga", ou seja, com pronta entrega, custava R$ 14.400.


No Salão do Automóvel de São Paulo de 2000, junto com o hatch, foi apresentado o conceito Roadster, que seria uma boa opção para enfrentar os esportivos importados, mas inviável por causa da nossa cultura de não comprar carros abertos por causa da insegurança pública e do forte calor no verão. Uma pena. 


Conceito Celta Roadster (2000)

Como não conseguiu o seu objetivo principal de ser o mais barato, a GM se viu livre da responsabilidade de economizar. Desta forma, passou a investir mais no carro. No final de 2001, colocou uma pequena tira de tecido nas portas, pintou o painel de preto e colocou detalhes prateados nas molduras das saídas de ar, quadro de instrumentos (que ganhou conta-giros), máscara dos comandos de ventilação e pedais para melhorar a impressão de acabamento. Chamou a versão de Super.


Em 2002 trocou o motor MPFi pelo 1.0 VHC (com alta taxa de compressão), que aumentou a potência para 70 cavalos. Junto com ele a opção de direção hidráulica e a nova carroceria de quatro portas, que tinha janelas laterais diferentes, mais curtas, para caber na reduzida distância entre-eixos. O acesso melhorou, mas o espaço continuava reduzido. O Super passou a ser uma versão agregando para-choques na cor da carroceria, volante de três raios, conta-giros e para-brisa degradê. 


Em 2003, o Celta procurou buscar um público mais exigente com a mecânica e passou a oferecer, além do motor 1.0, o 1.4, seguindo uma tendência de motores leves acima de um litro, que já tinha o Palio 1.3 e o Citroën C3 1.4. Posteriormente o Fiat aumentou para 1.4 e o Peugeot 206 entrou na onda com o mesmo bloco do Citroën.


O do Celta era o mesmo que o Corsa usou entre 1994 e 1996 antes de trocá-lo pelo 1.6, só que com injeção eletrônica multipoint, que aumentou a potência de 82 para 85 cavalos. Pena que ainda não era flex, como o 1.8 do irmão já era desde junho daquele ano, e muito menos VHC. O desempenho melhorou, com a aceleração baixando de 17,3 do 1.0 VHC para 12,7 segundos. Já o consumo aumentou pouco, comparado com o 1.0: 8.6 km/l e 15,2 km/l. Números da Quatro Rodas.



Com o 1.4, o Celta ganhou a versão Energy, que substituiu a Super e era tão pelada quanto o básico, mas tinha para-choques e grade na cor da carroceria. Vidros e travas elétricas continuaram sendo oferecidos como acessórios.


No interior, o básico tinha novidades como volante de três braços acolchoado e detalhes azuis na moldura do quadro de instrumentos, nas saídas de ar, painel de ventilação, cujos comandos foram mudados, e maçanetas. Na Energy esses detalhes eram em prata fosco e também estavam presentes no pomo da alavanca do câmbio e nos pedais. O painel era preto.


Em 2004, a Chevrolet reformulou o nome das versões de todos os seus veículos. As do Celta passaram a se chamar Life, Spirit e Super, que voltava à linha no lugar da Energy, que havia entrado em seu lugar.



No ano seguinte, o motor 1.0 VHC passou a ser flex (Flexpower, como era chamado pela Chevrolet), mas manteve a potência de 70 cavalos, mesmo com álcool. Ainda em 2005 o Celta ganhou o kit de acessórios Off Road, pegando carona no sucesso do Ford Ecosport, Volkswagen Crossfox e Fiesta Trail. Mas oferecia apenas quebra-mato, estribos e rack.


O ano de 2006 ficou marcado na história do Celta. Foi quando ele passou pela sua mudança mais profunda: em março, ganhou nova frente, com faróis amendoados, agora inspirados no Vectra de 2005 (derivado do Astra europeu, já o que de 1996 saiu de linha), grade e emblema da marca maiores (com a gravata da Chevrolet pintada de dourado, ainda dentro do círculo), tampa traseira com vinco mais acentuado e suporte para a placa (que ficava no para-choque) e lanternas traseiras com mesmo formato, mas com lente modificada para se encaixar nas dobras da tampa.






No interior o painel ganhou novo desenho, mas ainda com peça única e em plástico rústico, e novo revestimento das portas. O quadro de instrumentos foi simplificado, com mostradores circulares e o marcador de combustível passando a ser analógico.


Outra grande novidade, apresentada em outubro de 2006 foi a inédita versão três volumes, batizada de Prisma. Tinha a mesma frente do hatch, mas com a traseira bem acertada e as versões chamadas de Joy e Maxx. O Prisma também estreou o novo motor 1.4 Econo.Flex, de 89 e 97 cavalos. Bem-sucedido, ganhou uma segunda geração ao migrar para a linha Onix, lançado em 2012, um novo compacto com a plataforma global GSV, que deu origem ao (finado) Sonic, ao sedã médio Cobalt e à estranha minivan Spin.


Prisma 2006


Prisma 2013



Aliás, no Salão de São Paulo de 2006 foi apresentado outro conceito baseado no Celta: o utilitário compacto Prisma Y, para concorrer com o Ford Ecosport. Também não vingou e a GM preferiu o globalizado Trax, aqui chamado de Tracker, que usava a plataforma GSV., lançado em 2013.


Conceito Prisma Y (2006)

Já o Celta ficou sem esta nova arquitetura. Justamente a partir do seu face-lift, a GM começou a pisar no seu freio, mesmo com as suas vendas crescendo a cada ano. Só ganhou alterações pontuais desde então. A primeira delas foi o fim do motor 1.4 em 2007, sem ganhar a versão Econo.Flex nesta cilindrada. O Celta voltou a ser focado no segmento popular, somente com motor 1.0. 

Em compensação, dois anos depois, este motor foi incrementado com acelerador eletrônico e potência subindo para 77 cavalos com gasolina e 78 cv com álcool, ganhando mais uma letra no nome, passando a se chamar VHCE. O tanque de combustível também aumentou de capacidade, passando de 46 para 54 litros. Por outro lado, a versão top Super foi retirada do catálogo, substituída novamente pelo kit de personalização Energy, com saias laterais, spoiler nos para-choques dianteiro e traseiro, aerofólio e adesivos.


O ápice de vendas do Celta foi em 2010, quando atingiu 155.094 unidades comercializadas. A partir daí começou a cair. Houve uma expectativa de relançar o motor 1.4 do Prisma, já com 95 cavalos, com gasolina e 97 cv com álcool. Mas a GM desistiu. 

Mesmo assim ganhou um novo face-lift em 2011, que lhe deu uma grade com barra central mais fina e o emblema da Chevrolet dourado e sem o círculo que o envolvia desde o seu lançamento. As lanternas passaram a ter lentes escurecidas. No interior, o volante ganhou novo desenho (difícil de descrever) e a iluminação dos instrumentos passou a ser azul (ou IceBlue), como no Agile, um novo compacto baseado na sua plataforma. As versões de acabamento mudaram de nome para as siglas LS e LT, seguindo o padrão mundial da Chevrolet. A primeira, mais barata, tinha opção de duas e quatro portas. A LT só com quatro. O segundo face-lift do Celta acabou com o monopólio das concessionárias de vender os vidros e travas elétricos. Estes passaram a ser de fábrica, como opcionais comuns.



Na Argentina, onde era vendido como Suzuki Fun de 2004 até o primeiro face-lift, assumiu o nome Celta e a marca Chevrolet quando ganhou a nova alteração frontal em 2011, ano em que a parceria com a marca japonesa foi desfeita.



Em 2011, o Celta o venceu um comparativo do Guscar contra o Gol, o Nissan March (então importado do México) e o recém-relançado e reestilizado Fiat Uno. Avaliação que gerou muita polêmica, pois foram contabilizadas só as vitórias como critério. O Chevrolet ganhou no preço, motor, consumo (empatado com o Gol e o Uno), segurança (empatado com o March) e espaço interno (segundo a Quatro Rodas). O post teve 19 comentários detonando o resultado e também este que vos escreve. Teve até gente que chamou o comparativo de matéria paga. Quem me dera.


Outro defeito foi o péssimo resultado no crash-test da Latin NCAP, no qual o Celta obteve apenas 1 estrela de proteção para adultos e 2 para crianças em cadeirinhas infantis, que se mostraram incompatíveis com os cintos de três pontos. Estes e a barra de proteção nas portas foram os únicos itens de segurança do modelo avaliado.


Por esse motivo, a GM decidiu se antecipar à nova legislação de 2014 e passou a ofertar airbags frontais e freios ABS de série já em 2013. Também efetuou mudanças na grade, que ganhou moldura cromada e no volante, que ficou mais "gorducho", com miolo triangular maior e perdeu aquele aplique cinza exagerado, ficando apenas uma pequena parte nos cantos. As mudanças também foram aplicadas ao velho sedã Prisma, meses antes de passar para a linha Onix.


Para o Celta foi lançada a série especial Advantage, com ar condicionado, direção hidráulica, vidros e travas elétricas de série, além de interior com cores mais claras, bancos com revestimento exclusivo, rodas de 14 polegadas com pneus 175/60, faróis com máscara negra e rádio AM/FM com MP3/WMA Player, Bluetooth, entrada auxiliar frontal e leitor USB. A única cor disponível era a cinza metálica.


Com mais opções de cores (cinco - Branco Summit, Preto Global, Vermelho Pepper, Azul Sky e Prata Switchblade), boa parte destes equipamentos foi aproveitada na LT 2015, que passou a ter somente quatro portas e se tornou a única e última versão do Celta. Só não tinha o rádio, que era acessório. 

Em abril deste ano, o Celta teve a produção encerrada, após 1,5 milhão de unidades vendidas, sem completar os seus quinze anos. Estava custando R$ 31.990, mas mesmo morto seu preço aumentou para R$ 34.990.

Não deixou um sucessor oficial direto. A GM ainda está pensando se adapta o Opel Karl ou cria um modelo mais pobre. O Onix, que pode ser considerado um herdeiro natural, fez uma "linda homenagem" ao antecessor e foi o carro mais vendido de agosto. Mas não deve tomar o "bicampeonato" do Fiat Palio ao final deste ano. Quem sabe em 2016?