TEXTO: GUSTAVO DO CARMO | FOTOS: DIVULGAÇÃO

Ele nasceu sedã de luxo, foi policial, morreu táxi e quase ressuscitou como compacto. O Santana completou 30 anos no Brasil com uma história de requinte, inovação e também decadência.

1a Geração - 1984 a 1991



Sua trajetória começa em 1984, quando a Volkswagen, que carrega no nome o lema "O Carro do Povo", pretendeu fabricar no nosso país o primeiro modelo de luxo da marca. O Passat - que o antecedeu, mas conviveu com ele durante cinco anos - estava muito velho para enfrentar concorrentes modernos como Monza e Del Rey.

A solução foi produzir a versão sedã da segunda geração do Passat, lançada quatro anos antes na Europa. A tal variação três volumes, que surgiu um ano depois, era chamada de Santana, região montanhosa californiana que tem um vento forte, quente e seco. A matriz da VW tem o hábito de batizar os seus carros fazendo alusões a correntes de ar (Passat, Scirocco, Vento e Bora). E o nome Santana também foi adotado aqui no Brasil, onde teve mais sucesso de vendas que no Velho Continente. Lá, ofuscado pelo luxo dos Audis, ele mudou de nome para Passat em 1985 e evoluiu bastante, ao contrário do Santana daqui.



O Santana era um carro de linhas retas, capô longo, traseira levemente alta, faróis retangulares, lanternas finas e horizontais e grande área envidraçada, com direito a ampla terceira janela lateral. Media 4,54m de comprimento e tinha distância entre-eixos de 2,55m. O interior era muito bem acabado, com revestimento aveludado. Saídas de ar, comandos do ar condicionado e rádio toca-fitas eram concentrados numa espécie de caixote acima do console central. O quadro de instrumentos também estava no conjunto. Suas luzes de operação eram em LED, padrão que depois foi adotado em todos os modelos da marca por aqui: do Gol GL até o velho Passat.


O Santana chegou ao mercado brasileiro nas versões de acabamento CS (Comfort Silver), CG (Comfort Golden)  e CD (Comfort Diamond). Além do ar condicionado e do toca-fitas, a CD completa também tinha cintos de segurança de 3 pontos retráteis e apoios de cabeça nas extremidades do banco traseiro, que também vinha com apoio de braço no centro, direção hidráulica, vidros, travas e antena elétricos, lavadores de faróis e rodas de liga-leve.


O único motor era um moderno 1.8, de 92 cavalos com álcool (não existia flex), montado na posição longitudinal. O câmbio manual de cinco marchas, também novo, era exclusivo da versão mais cara. As demais tinham quatro. Havia também a opção de transmissão automática, de três velocidades, além de uma luz no painel para indicar a mudança de marcha.


Em 1985 foi lançada a Santana Quantum, primeira perua nacional de quatro portas desde a Simca Jangada dos anos 60. Naqueles anos 80, a maioria dos brasileiros só queria saber de carros de duas portas. Até as concorrentes como Caravan e Belina e as compactas Panorama e Parati só existiam nesta configuração. Desta forma, as quatro portas da Quantum não deixavam de ser uma inovação e eram um atraente diferencial. Por causa desta peculiaridade nacional, o Santana sedã também tinha uma versão de duas portas, inexistente na Europa, mas a Quantum só com quatro.


A perua tinha bagageiro no teto e cobertura do porta-malas sanfonada. Ela já usava o novo motor AP800, que rendia 94 cavalos a álcool e 90 cv a gasolina. O sedã também adotou a novidade. No ano seguinte, a linha ganhou uma leve reestilização. com para-choques dianteiros prolongados quase até o chão. Houve mudança de nomenclatura das versões, que passaram a se chamar CL, GL (com rodas de liga-leve de desenho exclusivo para ser a versão esportiva da linha) e GLS (que posteriormente ganhou a opção de teto solar chapado), além de ganhar uma bem básica, a C. Os faróis de neblina, exclusivos da versão GLS, passaram para a grade, ladeados pelos faróis comuns. Os piscas, que ficavam na extremidade da dianteira, se mudaram para o para-choque. Este visual já era usado na Europa desde 1981 e, lá, as luzes de neblina eram trapezoidais. O motor ganhou mais dois cavalos de potência, passando a render 96 cv com álcool.


Em 1988, a linha Santana ficou mais forte com o motor 2.0, chamado estrategicamente de 2000, em alusão ao último ano do século que na época ainda estava longe. Rendia 112 cavalos com álcool. O alvo era o Monza 2.0, que andava mais. O 1.8 foi rebatizado de AP1800, mas era tão rejeitado que passou a ser vendido apenas por encomenda na versão CL. Graças ao novo propulsor 2000, o Santana ganhou a sua única eleição de Carro do Ano pela revista Autoesporte, em 1989.


A injeção eletrônica de combustível já estava no mercado desde aquele ano no Gol GTi. Para (novamente) responder ao Monza - que aposentou o carburador no Classic 500 EF (em homenagem a Emerson Fittipaldi, que vencera naquele ano as 500 Milhas de Indianápolis) - e tentar ser o segundo carro brasileiro com a nova injeção, a Volkswagen lançou, em 1990, o Santana Executivo, identificado apenas pela sigla EX. A potência líquida do motor 2000, que só podia ser movido a gasolina, subiu de 99 cv (na época, motor com menos de 100 cv pagava menos IPI) para 114 cv (125cv brutos).


Visualmente, o Santana Executivo tinha lanternas traseiras com lentes escuras, grade, frisos e logotipos na cor grafite, rodas raiadas da marca BBS douradas ou prateadas, aerofólio com terceira luz de freio  integrada (então uma novidade) e antena no teto. Só tinha três cores: azul, preto e vinho. Por dentro, se destacava o revestimento em couro dos bancos Recaro e também das portas. A iluminação dos instrumentos era vermelha. A única inovação na lista de equipamentos era o rádio com código antifurto (já uma preocupação na época). Os freios ABS eram esperados, mas ficaram para a nova geração, pois o Executivo - que custava cerca de 60% a mais que o GLS, fazendo dele o carro de série mais caro do Brasil - foi o canto do cisne da carroceria original do Santana.




2a Geração - 1991 a 2006



Os anos 90 estavam se aproximando e o Passat já estava atualizado na Europa desde 1988, com motor transversal. No Brasil, a reabertura do mercado para os importados - com a consequente chegada de modelos mais modernos - começava a preocupar as quatro montadoras nacionais. Ou melhor, três, porque a Ford era parceira da VW. Embora as duas tivessem a mesma porcentagem de ações, a marca alemã mandava na joint-venture Autolatina. A Chevrolet preparava o novo Monza e o Tempra seria o primeiro carro grande da Fiat no país. Assim, a Volkswagen decidiu produzir um novo sedã com um similar para a Ford.

O Passat alemão de 1988

Como a filial brasileira achou o novo Passat alemão um projeto muito caro e complexo, a solução foi fazer um modelo simplificado que lembrasse o novo carro (mania tupiniquim de fazer gambiarras para economizar que perdura até hoje). A frente fechada com o emblema vazado para refrigerar o radiador, por exemplo, supostamente não passou no teste de aerodinâmica daqui. Assim, resolveram usar as mesmas plataforma e portas do Santana antigo. O resultado final ficou melhor que o concorrente Monza, mas não chegou aos pés do original europeu.


A frente ficou mais baixa, com faróis retangulares inclinados, grade frisada e piscas de lente laranja invadindo a lateral. As janelas ficaram maiores, com colunas posteriores largas e a traseira ficou curta e alta. Na GLS, a versão mais cara, as alanternas tinham apliques refletivos que cercavam a placa. Em todas, incluindo a CL e GL, a tampa do porta-malas também era elevada e o espaço para bagagens aumentou em 40 litros, passando para 532. O comprimento aumentou para 4,57m, mas a distância entre-eixos permaneceu nos 2,55m.

Santana CL
Por dentro, o painel quadradão deu lugar a um conjunto envolvente e bem desenhado. O volante era de quatro braços, mas o miolo tinha um desenho que lembrava.um 'T'. Os instrumentos eram de iluminação alaranjada, usada também no médio Apollo, o 'genérico' do Verona da Ford. Os encostos de cabeça nos bancos eram vazados, como no Monza. O GLS tinha encostos também atrás.


O novo Santana manteve a posição longitudinal do motor e as três versões de acabamento usadas no fim da primeira geração. O básico CL vinha com rádio, aquecedor e o regressado motor 1.8, a álcool ou a gasolina. O movido a gasolina tinha potência bruta de 92 cavalos, enquanto o álcool alcançava 99 cv.

O GL, intermediário, era equipado com direção hidráulica, toca-fitas, antena elétrica e motor 2.0. O a gasolina tinha 108 cv e o álcool, 118 cv. Todos ainda tinham carburador.


A injeção eletrônica (na época um luxo), com a extinção do Executivo, passou a  ser exclusiva e opcional do GLS, que trazia ar, direção e trio elétrico. O propulsor 2000i já era de injeção multiponto desde a geração anterior e tinha potência máxima de 120 cavalos (que foi reduzida). Ainda só podia ser abastecido com gasolina.

O novo Santana deveria ser apresentado no Salão do Automóvel de 1990. Mas não ficou pronto a tempo, deixando o caminho ficou livre para o brilho do Chevrolet Monza reestilizado, que ainda chegou com opção de duas ou quatro portas. A Volkswagen errou mais uma vez ao lançar o Santana com apenas duas portas em abril de 1991. Os executivos, ministros e taxistas tiveram que esperar até novembro para ter o Santana 4 portas, já como modelo do ano seguinte. Antes, em julho, aparecia o genérico da Ford, o Versailles. Este também começou a ser vendido com duas portas e ganhou as outras junto com o Santana.

Ford Versailles Ghia
A linha 92 do Santana trouxe uma grande novidade além das portas traseiras, que deveriam ter chegado em abril do ano anterior. Pela primeira vez, os freios ABS eram oferecidos em um carro nacional. Mas o recurso era um caro opcional para a versão GLS, que ganhava rodas raiadas tipo BBS. As que o top de linha usava foram cedidas para o irmão mais simples, o GL.

Santana GL

Em março de 1992 chegava a perua Quantum reestilizada. Diferente da Variant alemã, de lanternas horizontais, iguais as do Passat, a Quantum tinha a disposição das luzes vertical e nos cantos da traseira. Ela mantinha o bagageiro no teto e as mesmas versões de motorização e acabamento do Santana (CL 1.8, GL 2000 e GLS 2000, com ou sem injeção eletrônica multipoint). Junto com a perua veio o catalisador, o filtro no escapamento que também era novidade no Brasil para atender às normas anti-poluição da época. No mesmo ano, os motores sem injeção ganhavam carburador eletrônico.


Três meses depois, a Quantum também ganhou o seu clone da Ford: a Royale, que só tinha duas portas para não concorrer com a perua da Volkswagen.

Ford Royale Ghia

Para a linha 93, Santana e Quantum ganharam pequenas alterações estéticas. A parte inferior dos para-choques e a capa dos retrovisores passaram a ter a mesma cor da carroceria, as lentes dos piscas trocaram a cor âmbar pela branca, os comandos horizontais do ar condicionado foram trocados pelos botões giratórios, a versão GL ganhou o motor 2000i multipoint do GLS e este ganhou novas rodas de liga-leve (ainda raiadas, mas de aparência mais simples), além da opção do tocador de CDs, que só não foi ineditismo da VW porque o recém-lançado Chevrolet Omega já havia introduzido o uso dos compact-discs nos carros brasileiros.


Na metade do ano de 1993, o motor 1.8 adotou injeção eletrônica single-point fornecido pela Ford (FIC). Era acrescentado um i ao nome CL. No ano seguinte foi a vez da tecnologia ser estendida ao motor a álcool, aposentando de vez o carburador na linha Santana.


No segundo trimestre de 1995, Santana e Quantum ganharam uma nova grade do radiador na cor da carroceria e com menos aletas (a inferior mais grossa), dando um novo aspecto visual. A reestilização visava aproximá-lo do Passat que havia acabado de retornar ao Brasil. Não como aquele velho hatch nacional, mas como um sedã importado da Alemanha, posicionado num segmento mais luxuoso, com motores 2.0 e V6 (VR6) 2.8. O novo Passat era o mesmo que inspirou o Santana, mas agora sem a frente fechada do emblema vazado.


O modelo duas portas do Santana ficou limitado a série especial Sport, que sairia de linha em poucos meses. A partir de então, o sedã só estava disponível com quatro portas. O Santana perdia o status de carro mais luxuoso da VW no Brasil para o Passat alemão. E a Quantum, para a Variant. O genérico Versailles também ganhou nova grade, com abertura oval, como mandava a filosofia da Ford na época. A perua Royale finalmente passou a ter quatro portas. Porém, os clones saíram de linha logo depois, em 1996.


Na mesma época, o Santana desenvolvido no Brasil passava a ser fabricado na China, com o sobrenome 2000 (para diferenciar da primeira geração que era fabricada lá desde 1985 e ainda era vendida), onde fez muito sucesso. Logo ganhou carroceria alongada. Acabou virando carro oficial do governo comunista. Aqui, foram extintas as versões alfabéticas e o 1.8 ganhou a injeção multipoint. O 2.0 mudou a designação 2000i para 2.0 Mi. As versões passaram a ser chamadas de básica, Evidence e Exclusiv.


Em abril de 1998, o Santana  foi reestilizado pela última vez no Brasil. Um mês antes, o rival Tempra também foi renovado. Mas este durou pouco, somente até 99, quando surgiu o Marea SX. O Monza já não existia mais havia dois anos.

No Santana, a grade ficou escura, mais inclinada e integrada ao para-choque mais volumoso na cor do carro. O recurso seria usado na linha Gol no ano seguinte, mas com faróis transparentes que o Santana original nunca teve. Na lateral as janelas perderam o quebra-vento. As lanternas traseiras também mudaram o desenho. No lugar do refletor que cercava a placa, entraram apliques na cor do carro. A lente das lanternas ficou mais lisa e predominantemente vermelha. A plaqueta de identificação estilizada cinza e fosca foi trocada por uma cromada de grafia mais simples. Por dentro, o desenho do painel ficou mais reto. A iluminação deixou de ser laranja para ficar verde. A versão esportiva Evidence foi extinta. Para a linha 2000, as versões de acabamento mudaram de nome para Comfortline e Sportline.


No primeiro ano do século XXI o Santana já estava velho. A reestilização já tinha 10 anos. Só não saiu de linha para atender aos taxistas. Para torná-lo mais acessível a eles e também a alguns empresários emergentes que queriam um carro confortável  com bom custo-benefício, o outrora luxuoso sedã ficou mais simples e barato, com novos revestimentos e menos equipamentos de série. Para ficar mais econômico, foi vendido com kit de gás natural de fábrica. O Santana também foi usado como viatura policial em vários estados do país. No Rio entre 1995 e 2002. Em São Paulo até o fim da produção.


Com a perua Quantum não teve jeito. A sua fabricação foi encerrada em 2002. Na China, o Santana continuou fazendo sucesso como um carro luxuoso e bem equipado, com direito a câmbio automático. Em 2005 ganhou uma nova versão, com grade semelhante ao Bora, faróis transparentes e emblema VW no centro da traseira, onde ficava a placa, que foi abaixada para o pára-choque. Foi chamado de Santana 3000 e depois de receber mais um face-lift passou a ser chamado de Vista.




Aqui, o Santana parou de fabricado em 2006. Deveria ser substituído na frota de táxis pelo Polo Sedan ou pelo Bora, mas por causa do custo (alto) x benefício (pouco) ruim desses modelos, a Chevrolet fez a festa na praça emplacando a minivan Meriva e depois o sedã Cobalt na praça.


Ao batizar na China o novo sedã compacto baseado na plataforma PQ35 de Santana, que substituiu o velho Santana Vista, a Volkswagen do Brasil pensou em lançá-lo aqui. Chegou até a ganhar um investimento do BNDES. Mas desistiu. Por enquanto. E, assim, o modelo que fez história em todas as classes sociais do país: do taxista, passando pelo policial, ao empresário continua na saudade dos brasileiros.