TEXTO: GUSTAVO DO CARMO | FOTOS: DIVULGAÇÃO


Assim como hoje, em 1976 o Brasil estava em crise econômica. Por isso, ao projetar o seu novo modelo de luxo, que tinha a missão de substituir o já decano Landau (ex-Galaxie) e concorrer com o Chevrolet Opala, a Ford abriu mão do caro projeto do novo Sierra europeu (que seria lançado só em 1982) e partiu para uma solução caseira e mais barata: um sedã baseado no seu Corcel II.

Curiosamente, o projeto se chamava Ômega, que viria batizar um sedã de luxo da concorrente General Motors, lançado na Europa em 1986, com a marca Opel, e que só chegaria ao Brasil seis anos depois, como Chevrolet.


Depois de cinco anos e adaptações na carroceria para transformar um esportivo fastback como o Corcel em um comportado sedã de três volumes bem definidos e quatro portas, nascia o Del Rey, que chegava ao mercado, em duas versões (Prata e Ouro), em junho de 1981, um ano antes do primo rico Sierra. Seu estilo, contudo, foi propositalmente inspirado no sedã executivo Granada, outro europeu e que também foi estudado para ser lançado aqui. A carroceria de duas portas, que começaria a ser vendida alguns meses depois, lembrava os sedãs norte-americanos da época. 
A frente de grandes faróis quadrados, ladeados pelas luzes de direção, e a traseira de lanternas horizontais, no entanto, eram praticamente as mesmas do Corcel, sendo que a grade dianteira era composta de filetes verticais (cromados na versão Ouro) e luzes de direção mais claras. O Del Rey media 4,50 metros de comprimento.



As rodas da versão Ouro eram de alumínio e as da Prata de aço estilizadas, com pintura escura no vão dos parafusos. O mesmo esquema de nomenclatura seria usado no Fiat Tempra em 1992. 



Atualmente, o nome Del Rey pode soar brega, mas na época era uma grande estratégia de marketing para oferecer um carro luxuoso, bem acabado e equipado que poderia ser usado por um rei. O painel reto lembrava o do Corcel, mas o refinamento era muito melhor, com revestimento aveludado nos bancos e nas portas. Assoalho e cobertura atrás dos bancos traseiros tinham forração de carpete. As cores do interior podiam ser preta, bege ou marrom.


Travas elétricas, oferecidas na versão completa Ouro, eram usadas pela primeira vez num automóvel fabricado no Brasil. Nem o luxuoso Opala Diplomata tinha. O Del Rey também tinha vidros elétricos com comando nas portas, ar condicionado embutido no painel, teto solar e uma outra inovação: cintos de segurança dianteiros de três pontos e retráteis. Rádio AM/FM e toca-fitas eram de série na versão top. 

Outro marcante recurso era o relógio digital com cronômetro que ficava em um console acima do retrovisor interno, na junção do para-brisa com o teto. Sua iluminação azul, também presente na luz de leitura (posteriormente mudada para amarela), dava um toque futurista naquele início de anos 80. Eu mesmo, na minha infância, fiquei fascinado quando viajei em um Del Rey 1984 de uma prima. O "gadget" também seria usado no Escort. E por falar em iluminação, o quadro de instrumentos (que tinha luzes alaranjadas) era completo, com conta-giros, manômetro e voltímetro.


O espaço interno, entretanto, ficou aquém do esperado para um sedã que pretendia concorrer com Opala e Alfa Romeo 2300ti. Culpa da manutenção da distância entre-eixos de 2,44m do Corcel II. Pelo menos o Del Rey era mais barato que a concorrência, que ainda não tinha o Volkswagen Santana e o Chevrolet Monza, mas havia o Volks Passat LSE, que custava menos.


O fastback também emprestou o seu motor 1.6 para o irmão de três volumes. Rendia apenas 69 cavalos com álcool. O câmbio tinha cinco marchas, numa época em que as transmissões costumavam ter apenas quatro velocidades. O desempenho era modesto. Segundo a revista Quatro Rodas, a versão com gasolina, a aceleração de 0 a 100 km/h demorava 16,21 segundos e ele só chegava a 147,9 km/h. O motor a álcool era ainda pior: 21,61 segundos e 137,4 km/h. Pelo menos o consumo da versão a gasolina era bom, com 8,39 km/l na cidade e 15,05 km/l na estrada vazio.

O câmbio automático (de apenas três marchas) chegou na virada de 1982 para 1983, como opcional, para enfrentar o novo concorrente: o moderno Chevrolet Monza, que chegava na versão sedã, cujo similar Opel Ascona era rival do Sierra na Europa.



Ainda em 1983 foi lançada a perua Scala, que nada mais era do que uma Belina (derivada do Corcel) com grade de frisos verticais, bagageiro no teto e prolongamento nas lanternas traseiras, além de interior mais luxuoso. Nem quatro portas ela tinha. Em compensação, seu porta-malas acomodava 768 litros, segundo a Quatro Rodas.

Esta situação de um único carro com duas identidades se repetiu no final em 1999 na Europa, com os Volkswagen Golf e Bora Variant, a mesma perua com as respectivas frentes. A principal concorrente da Scala era a Chevrolet Caravan, do Opala.



Em 1984, a linha Del Rey ganhou o motor CHT 1.6 do Escort. Na verdade, era o mesmo bloco oriundo do antigo Renault Dauphine com câmara de combustão retrabalhada para gerar mais potência, que subiu para 72 cavalos com álcool, mas com gasolina eram apenas 63 cavalos de potência líquida. O câmbio foi reescalonado e os freios ganharam disco na dianteira. A pressão do mercado, desta vez, vinha do novo Volkswagen Santana. O desempenho melhorou, baixando a aceleração para 17,19 segundos e a velocidade subindo para 148,4 km/h. Mas o consumo aumentou, ficando em 7,98 km/l na cidade e 12,16 km/l na estrada.  


No último trimestre de 84, junto com o Corcel, o Del Rey e a Scala tiveram a frente reestilizada. Os faróis se tornaram trapezoidais e a grade ganhou três lâminas horizontais na cor do carro.  Abaixo do para-choque foi instalada uma carenagem para acomodar os novos faróis de neblina. Por dentro, o painel da versão Ghia ficava com quinas suavizadas e menos vãos.


A nomenclatura das versões também mudou, passando a se chamar GL, GLX e Ghia, a mais luxuosa. O grafismo da assinatura também mudou, ficando maior e mais moderno. As rodas também foram renovadas. Hoje chegando a ser item de série até em modelos mais baratos, a direção hidráulica chegava ao Del Rey como opcional em 1986.


Neste mesmo ano, o rival Alfa Romeo 2300ti deixava de ser produzido. Mas a sua matriz, o Corcel II, também. Com isso, o Del Rey ganhava a versão mais simples L para substituí-la. O motor CHT mudava de nome para E-Max, ganhando pistões e virabrequins mais leves, para garantir eficiência, rendendo mais um cavalo na potência. A aceleração caiu para 16,50 segundos e a velocidade subiu para 153,1 km/h.


Em 1987 a perua Belina, órfã do Corcel, assumiu a frente e a identidade do Del Rey, passando, inclusive, a ostentar o nome no borrachão lateral, próximo a traseira. O nome Scala não seria mais necessário e, por isso, foi descartado. No mesmo ano foi criada a Autolatina, uma associação com a Volkswagen que pretendia unir forças e tecnologia nos dois lados.

Belina, agora na linha Del Rey.

Mas o benefício para o Del Rey só chegou em 1989, com a troca do motor 1.6 CHT pelo AP1800 da marca alemã, que também passou a fornecer o câmbio. O novo propulsor rendia 87 cavalos com gasolina e 93 cv com álcool. O Del Rey enfim ficou mais ágil como um carro de luxo da época deveria ser. A aceleração baixou para 14,19 segundos e a velocidade aumentou para 154,7 km/h. O consumo com álcool, porém, aumentou, ficando em 6,11 km/l na cidade e 9,38 km/l na estrada. Enquanto isso, o Santana levava vantagem com o seu motor 2.0.

Embora tenha melhorado a motorização dos modelos da Ford, a Autolatina acabou sendo prejudicial para a marca norte-americana, que mais uma vez, perdeu a chance de produzir um modelo europeu. Agora por causa da Volkswagen.


Se o Ford Verona deu origem ao Apollo da Volks, o seu novo sedã grande teria que vir desta última. Assim, em 1991, o recém-reestilizado Santana ganhou grade, faróis, tampa do porta-malas, lanternas, uma pintura preta na coluna, novos painel e revestimento internos característicos da Ford. Estava lançado o Versailles, primeiro com duas portas e seis meses depois com quatro, pondo fim a uma carreira de altos e baixos do Del Rey.




No ano seguinte, a perua Royale enterrou a Belina. Porém, continuou com duas portas para não bater de frente com a similar Quantum, da Volkswagen. Só foi ganhar as portas laterais traseiras em 1995, junto com uma nova grade de abertura oval, modismo estético da Ford na época. Já era tarde demais. Em 1996, acabaram a Autolatina, o Versailles e a Royale.



A picape Pampa, nascida do Corcel II em 1982, assumiu a frente do Del Rey em 1992. Com ela durou até 1997, quando foi substituída pela Courier, derivada também extinta do compacto Fiesta da época.


O falecido Del Rey teve o consolo de ter durado mais que o seu sucessor, o Versailles. Uma década contra cinco anos. Nunca foi um best-seller. Sofreu com o Santana e o Monza, este chegando a ser o carro mais vendido do país por três anos seguidos. Mas ainda deixa saudades por ter um conforto e, principalmente, um acabamento que não se vê mais na Ford hoje em dia.