Texto: Gustavo do Carmo
Fotos: Divulgação e Quatro Rodas

Há trinta e cinco anos o Brasil dava as boas vindas para uma empresa que viria ser a última integrante de um quarteto que ainda hoje domina o mercado de automóveis do país, mesmo com o crescimento das novas marcas que chegaram nos anos noventa.

No dia 9 de julho de 1976, a Fiat foi o sexto fabricante de automóveis a entrar em atividade num país ainda governado pelos militares, que proibira, um ano antes, a importação de veículos. As montadoras da época eram a Volkswagen, a Ford, General Motors, Chrysler e Alfa Romeo. Quatro anos depois, a americana Chrysler seria adquirida pela Volks e a própria Fiat compraria integralmente a conterrânea, formando, enfim, as quatro grandes.

A partir de então iniciou uma história frequente de ousadias e pioneirismos. Com exceção da Alfa Romeo, que atuava em Xerém (RJ), todas as outras montadoras eram baseadas no estado de São Paulo. Os italianos escolheram Betim, em Minas Gerais, para montar a sua fábrica.




O modelo escolhido também foi para inovar. O 147 foi o primeiro carro verdadeiramente compacto desde o Romi-Isetta. E o primeiro com motor transversal dianteiro produzido no país. Sua base foi o 127, lançado na Itália em 1971 e o mais vendido na Europa naquela época.


Era um inédito hatchback de três portas. Configuração que o Chevette, um dos seus principais concorrentes, só viria a ter em 1980. Os outros adversários foram o Fusca e a Brasília.

A traseira do 147 era bem inclinada, dominada pela tampa de porta-malas, a terceira porta. As lanternas ficavam mais embaixo. Na frente, o capô, de abertura inversa, era curto e a grade retangular preta e plana, com faróis retangulares sobre as luzes de seta. Ambos de contornos arredondados. Conjunto bem diferente do 127 italiano, o que deu personalidade ao nosso modelo. O novo Fiat parecia uma caixa de bombons com seus 3,63m de comprimento e 2,22m de distância entre-eixos.

Foto: Revista Quatro Rodas





O motor era refrigerado a água, tinha 1.049 cm³ de cilindrada e rendia 55 cavalos. Foi este bloco que deu origem ao 994 cm³ do Uno Mille, lançado 14 anos depois. A posição transversal foi fundamental para garantir um espaço interno superior ao do Fusca, mesmo medindo 40 cm a menos. O porta-malas também ganhou boa capacidade de 352 litros, graças à também inédita colocação do estepe no compartimento do motor.



Por dentro, o acabamento era simples, sem luxos. Os bancos e os revestimentos das portas eram de plástico. O painel só oferecia o básico: volante quase horizontal sem regulagem, quadro de instrumentos (hodômetro, velocímetro, marcador de combustível e luzes-espia) retangulares e ventilação . Bancos com encosto alto (os de série eram baixos) e rádio eram opcionais.

Foto: Revista Quatro Rodas



A tração era dianteira e o câmbio de quatro marchas sincronizado. Com engates duros, foi o seu maior defeito, que durou até o Palio, seu segundo sucessor.

O Fiat 147 era ágil no trânsito e bem econômico. Segundo a revista Quatro Rodas, acelerava de 0 a 100 km/h em 19,47 segundos e alcançava 134,579 km/h de velocidade. A média de consumo foi de 12,68 km/litro. Os freios a disco nas rodas da frente também eram eficientes: num tempo em que o cinto de segurança dianteiro era subabdominal e não havia ABS e EBD, precisava de 41,15 metros para parar a partir de 100 km/h. Todas essas qualidades só puderam ser descobertas pelo público em novembro, quatro meses depois da inauguração da fábrica, que teve a presença do então presidente da República Ernesto Geisel. E um mês após ser mostrado no Salão do Automóvel de São Paulo.

Começou a ser vendido na versão L, mas em 1977 ganhou a GL e a Furgoneta, que não tinha vidros atrás e nas laterais traseiras. O 147 inovou mais uma vez ao oferecer de série para-brisa laminado, que não estilhaça. O GL tinha apoio de cabeça nos bancos dianteiros. Foi eleito o Carro do Ano pela revista Autoesporte, o primeiro da Fiat na tradicional promoção.

No ano seguinte outro pioneirismo: a primeira picape diretamente derivada de um carro de passeio. Era simplesmente chamada de 147 Pick-up. Ainda em 1978, foi lançado o Rallye, versão esportiva que trazia faixas laterais, spoiler, faróis auxiliares, tomada de ar para a pequena grade sobre o capô e rodas de desenho arrojado. Por dentro, tinha cinto de segurança de três pontos dianteiros, bancos reclináveis, de encosto alto e painel completo com conta-giros, voltímetro e manômetro de óleo.




Para fazer jus ao novo perfil, o Rallye introduziu o motor 1.300 de 61 cavalos. Era o mesmo 1.050 com diâmetro e curso maiores. Foi adotado posteriormente no GL.

Em 1979, o 147 se tornava o primeiro carro do mundo a ser abastecido com álcool. Era o combustível alternativo do futuro contra a crise do petróleo que assustou o planeta naquela década. Inaugurava o programa Proálcool do governo. O propulsor escolhido foi o 1.300 e rendia até 60 cavalos. Andava mais e poluía menos, porém consumia mais. Foi o ano em que mais vendeu: 98.743 unidades.



Em 1980 foi reestilizado pela primeira vez. O capô ficou um pouco mais baixo e inclinado, a grade inteiriça e os faróis mais pontudos. As luzes de direção viraram bicolores e passaram a envolver os faróis. Os para-choques passaram a ser de plástico, sendo mais prolongados no Rallye.




A linha ganhou a nova versão GLS. Junto com a Rallye, era equipada com o motor 1.300 a álcool ou a gasolina, sendo dois carburadores para a esportiva. A L e a GL tinham apenas o 1.050 somente com o combustível de petróleo.



Por dentro, novo painel com conta-giros e relógio, revestimento em veludo, cintos de segurança retráteis de três pontos nos bancos dianteiros, novos apoios de cabeça para estes e, pela primeira vez, num carro compacto nacional, encosto de cabeça também no banco de trás na GLS.



Com este novo visual, o 147 foi exportado para a matriz italiana e, por isso, a frente ficou conhecida como Europa.




No mesmo ano foi lançada a perua Panorama, trinta centímetros mais longa, com apenas duas portas e 730 litros de porta-malas. Tinha tanque maior que o do hatch (52 contra 43 litros), que logo também aumentou a capacidade. O motivo era a lei nacional de racionamento de combustível, que obrigava o fechamento dos postos nos finais de semana. O motor era o mesmo 1.300. As versões de acabamento eram a C e a CL. Ainda em 1980, foi lançado o Fiorino furgão, com baú fechado, mas ainda com a frente antiga.







Em 1982 a perua forneceu seu chassi para a picape, que ficou mais longa e ganhou o motor 1.3. Houve também uma versão curta da picape com a frente nova e o nome City.

A Fiorino também ganhou uma versão com teto alto e baú visível com vidros para carga e outra para passageiros, antecipando o conceito multiuso que hoje é usado no Doblò. Infelizmente, não pegou no Brasil e foi destinado apenas para exportação.








No mesmo ano, as versões GLS e Rallye do hatch mudavam de nome para Top e Racing. A luxuosa ganhou painel desenhado pelo estúdio Bertone e motor com ignição eletrônica. O câmbio ganhou novos sincronizadores na primeira e segunda marchas. O 147 básico também passou a se chamar 147 C.



Em 1983, surgiu o luxuoso Spazio, com uma nova frente. Grade e faróis cresceram e o emblema passou a ser cinco barras verticais inclinadas no meio, que ficariam famosas no Uno, lançado no ano seguinte. As luzes de direção passaram a ter apenas a cor laranja e se tornaram mais envolventes. O logotipo horizontal FIAT permaneceu no canto superior direito de quem vê. As lanternas foram renovadas e o vidro traseiro também aumentou de tamanho. O câmbio passou a ser de cinco marchas.




A nova frente foi estendida à Panorama. A grande novidade foi o sedã três volumes Oggi, de apenas duas portas, lançado na versão CS para concorrer com o VW Voyage, o Chevrolet Chevette e o recém-lançado Ford Escort. Tinha o maior porta-malas do país (440 litros). Chegou a ter uma opção esportiva, chamada CSS, com motor 1.4.






O 147 mais simples e a linha Fiorino permaneceram com a frente Europa, mas substituída aos poucos. O hatch ainda teve uma nova versão esportiva chamada TR, com aerofólios traseiros no alto do vidro e no para-choque, além de faróis de milha.



O lançamento do Uno, seu sucessor mais moderno, ao contrário do Palio, ajudou a encerrar a carreira do 147. O primeiro a sucumbir foi o Oggi, em 1985, com a chegada do Prêmio, o sedã do novo modelo. No ano seguinte, a Elba substituiu a Panorama. O 147/Spazio resistiu até 1987, deixando uma coleção de inovações e 536.591 unidades vendidas. Ainda assim, a picape e o furgão Fiorino duraram até 1988, quando passaram a usar a carroceria do Uno.




A história do 147 terminou, mas a da Fiat continuou com o Uno e seus derivados; o Tempra, primeiro sedã grande com a marca italiana; o Uno Mille, primeiro carro 1.0 do Brasil; o Uno Turbo, primeiro carro turbinado de série; o Tipo, primeiro hatch médio da Fiat no país, primeiro importado por uma montadora brasileira e, ao ser nacionalizado, primeiro carro equipado com airbags fabricado no Brasil; o Palio, que não conseguiu aposentar o Uno, e seus derivados Palio Weekend, Siena e Strada; a Palio Weekend Adventure, primeiro carro de passeio com maquiagem de off-road; a Strada cabine estendida; o Brava, sucessor do Tipo; o Marea e a perua Weekend, sucessores do Tempra; o furgão grande Ducato; o utilitário Doblò; o Stilo, sucessor do Brava; a minivan compacta Idea; o Punto; a Strada de cabine dupla; o Linea, sucessor do Marea; o Novo Uno e o Bravo, sucessor do Stilo. Esqueci de alguém? Ah, sim. A Fiat também importou, para fazer imagem, a perua Tempra SW e o Coupé nos anos 90. Atualmente traz o 500.