Texto e foto: Gustavo do Carmo



Há cem anos era lançado o carro que batizou a indústria automobilística. No entanto, o Ford T, apresentado no dia 1o (primeiro) de outubro de 1908, precisou esperar até 1913 para fazer a tal revolução. Até então era produzido artesanalmente por três operários. Mesmo assim nasceu como um veículo barato que pudesse ser comprado por qualquer norte-americano. Custava 825 dólares.

A partir daquele ano o Ford T se tornou o primeiro carro do mundo fabricado em uma linha de montagem. Henry Ford, dono da marca, mandou instalar uma esteira rolante de madeira na nova fábrica de Highland Park e a já reforçada equipe de operários começou a montar os carros sobre ela, com cada um encarregado de montar uma peça das diversas unidades que passavam por eles. Depois repassavam para o colega da frente. A revolucionária linha de montagem era movimentada, no início, por corda. Depois foi empregada a eletricidade. O tempo de montagem caiu de doze horas e meia para pouco menos de seis horas.

A produção aumentou de cerca de 10 mil para 700 mil carros e o preço caiu para 345 dólares. Para facilitar a redução de custos e dar conta do aumento da demanda, as opções iniciais de cores cinza, verde e vermelho foram substituídas pela única pintura preta, que secava mais rápido. Isso gerou a célebre frase de Henry Ford: "O cliente pode escolher a cor que desejar, desde que seja preta".

A única coisa que o Ford T não revolucionou foi no seu estilo, que ainda era muito próximo às charretes de tração animal e aos primeiros veículos motorizados. Mesmo assim seu desenho se tornou um ícone e derrotou o Fusca há poucos anos na eleição do Carro do Século.

Os primeiros T tinham partida por manivela e faróis acesos por carbureto e as lamparinas por querosene, mas depois ganhou itens elétricos. O chassi era de aço e liga de vanádio e a carroceria de madeira, mesmo material das rodas raiadas que eram revestidas por um fino pneu de borracha. O motor tinha quatro cilindos e 2.9 litros de cilindrada. Mas no início do século XX a cilindrada não era sinônimo de potência e rendia apenas 20 cavalos. Alcançava velocidade máxima de 64 km/h. O consumo variava entre 5 e 9 km/litro. Podia ser abastecido com gasolina e também com etanol (o nosso álcool), o que fez do T o primeiro carro flex do mundo. Mas a Lei Seca norte-americana abafou a sua popularização.

No Brasil, o Modelo T introduziu a Ford e a linha de montagem no país em 1919. Por causa das alavancas atrás do volante, que acionavam o acelerador do lado esquerdo e o ponto de ignição no direito, foi conhecido como Ford Bigode. Curiosamente o câmbio ficava no pedal esquerdo, o do meio acionava a ré e o direito freava o carro. Ele também foi responsável por padronizar a direção no lado esquerdo para os norte-americanos.

O Ford T teve diversas versões de carroceria: aberta, fechada, para dois passageiros, para quatro, sem portas, com duas portas, quatro portas, picape, ambulância, funerária e até uma com esqui para enfrentar a neve. Saiu de linha em 1927, como todo produto sem mais condições de se modernizar para enfrentar os novos concorrentes. Deu lugar ao moderno Modelo A (conhecido no Brasil como Fordinho 29), que retomou o nome usado no primeiro carro da Ford em 1903.

Durante 19 anos mais de 15 milhões de Ford T foram produzidos, espalhando-se pelas antigas ruas de paralelepípedos e até de terra batida, principalmente do Brasil. Muitos deles foram flagrados por lentes de fotógrafos que registraram o passado das cidades no início do século passado. O seu recorde só foi superado em 1972, pelo Fusca. O título de carro do século pode ser entendido como uma discreta vingança para este carro que está completando 100 anos de mitologia.